Arrependimento é uma das grandes virtudes cristãs. Na espiritualidade clássica, sua ausência é sinal de estupor. Um estado de falta de resposta profunda, em que a pessoa só pode ser despertada por estímulos vigorosos, como chacoalhar, chamar em voz alta, beliscar. Apatia em teologia é sinal de morte.
No emblemático poema "Não sentir", de Clarice Lispector ela diz: "O hábito tem-lhe amortecido as quedas. mas sentindo menos dor, perdeu a vantagem da dor como aviso e sintoma. hoje em dia vive incomparavelmente mais sereno, porém em grande perigo de vida; pode estar a um passo de estar morrendo, a um passo de já ter morrido, e sem o benefício de seu próprio aviso prévio". Rollo May afirma: “O ódio não é o oposto do amor, e sim a apatia. O oposto da vontade não é a indecisão, e sim não se envolver, ficar desligado”.
A Bíblia fala da “tristeza segundo Deus”, que traz arrependimento e salvação, porque ilumina a alma, confronta o erro e gera mudança. Por natureza temos grande dificuldade de reconhecer nossos erros e por isto estamos sempre na defensiva, procurando nos justificar. A tristeza, segundo o mundo é a que sentimos ao saber que o nosso pecado foi descoberto. A tristeza segundo Deus é a que sentimos por haver errado.
Não raramente confundimos arrependimento com remorso, ou um simples pesar. Delação premiada é o anti arrependimento, porque as pessoas reconhecem seus erros porque foram pegas e denunciadas, e elas fazem confissão não por causa do mal cometido, mas por medo das consequências de seus erros. É uma forma de manipulação, um ato teatral. O arrependimento possui uma dimensão muito mais profunda, pois gera dor, tristeza, desconforto, mas acima de tudo mudança e esperança.
Uma das definições de arrependimento mais surpreendentes que ouvi veio de uma pessoa inesperada: Rita Lee. Numa entrevista ela fala de suas loucuras reconhecendo seu mau humor e bipolaridade, e diz que arrependimento seria uma espécie de “expansão da consciência.” Achei surpreendente sua afirmação, porque no fundo, entrar em contato com nosso próprio mal e com nossos erros é uma dimensão existencial de auto conhecimento, uma superação. O psicopata não sente culpa, vergonha, nem lamenta seu mal. Sua grande doença é ausência de dor, a incapacidade de dizer que errou.
Para finalizar, faço uma longa citação de Scott Peck, renomado psiquiatra Norte Americano: “Uma característica predominante do comportamento das pessoas malignas é o bode expiatório, porque em seus corações eles se consideram acima da crítica. Sacrificam outros para preservar sua autoimagem de perfeição. Uma vez que se sentem impecáveis usam o mecanismo da projeção. Percebem os outros como maus, projetam o seu próprio mal no mundo. O mal ataca o outro ao invés de defrontar-se com suas próprias falhas.... Existem pessoas que parecem destituídas de consciência ou superego. Os psiquiatras os denominam de psicopata ou sociopata”.
Por isto, o arrependimento é sinal de saúde. Reconhecer o seu mal não é uma tarefa fácil, mas é transformadora. Arrependimento expande nossa consciência.
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