terça-feira, 16 de dezembro de 2003

“Não havia lugar para eles na hospedaria...” Lc 2.7

Assim registra Lucas a hospitalidade que Deus recebeu na terra quando veio habitar entre nós. As pensões estavam lotadas, a cidade agitada. César Augusto decretara que todas as pessoas participassem do senso. Por detrás desta atitude havia um interesse financeiro. Lá, como aqui, o governo estava interessado em recolher mais impostos. Muitas pessoas se escondiam do fisco. Então se criou uma forma original saber quantas pessoas existiam. Todos deveriam se recensear.
Os custos envolvidos neste censo eram enormes. As pessoas tinham que se deslocar de suas casas, indo à sua terra natal. Maria estava grávida, a viagem era desagradável, mas caso não atualizassem o seu “CPF”, não poderiam ser cidadãos plenos, e corriam riscos de sofrerem sanções do Império Romano, que naqueles dias exercia um forte domínio imperialista sobre Israel. Sendo José de Belém, dirigiu-se à sua cidade natal.
De forma lacônica o texto bíblico descreve que “Não havia lugar para eles na hospedaria...” Lc 2.7 Deus estava ali, sofrendo um problema habitacional, já que não era possível encontrar um lugar que pudesse acolhê-lo. As pensões estavam lotadas, a cidade não possuía uma estrutura adequada para receber aqueles que, por força do decreto precisaram viajar.
Este texto é uma parábola de nossos dias. Lá, como aqui, Deus ainda não encontra lugar nas nossas estruturas humanas. Não existe lugar para Ele em nossas festas, na agitação de fim de ano, na nossa ética, na nossa filosofia e, se brincarmos, até mesmo em nossa religiosidade muitas vezes tão vazia e mecânica. A situação é tão dramática que conseguimos celebrar o natal, o aniversário de Jesus, nos esquecendo do aniversariante. Cortamos o bolo sem a presença daquele que deveria ser o centro de nossas atenções. Sua presença tem sido considerada dispensável.
Que em nosso coração e em nossa família possamos dizer neste natal: “Senhor, aqui existe espaço para ti, fica conosco!”

segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

NÃO TE IMPACIENTES!

Parem o relógio!
Este foi um artigo que me chamou atenção na seção my turn, da Newsweek. Era um relato autobiográfico de uma estudante, falando de sua experiência na América. Criada numa família onde as pessoas gostavam de gastar tempo juntas, trocando receitas de bolo, fazendo cuidadosamente as refeições, e agora, fazendo seu PHD avaliava sua vida e percebia que alguma coisa tinha sido perdida.
Fazia de tudo para espichar seu tempo. Dormia tarde, acordava cedo, comia suas refeições sem sequer sentir o gosto delas. Tendo um livro ou um papel do lado para fazer anotações. Não tinha tempo para desenvolver amizades. Sentia-se só e achando a vida sem sentido. Não estava mais encontrando prazer nas coisas. Sentia-se uma autômato, um robô, preparado para efetuar tarefas que fossem cada vez mais precisas e consumissem cada vez menos tempo.
Percebia que não tinha mais tempo para si me para os amigos. Não encontrava hora para descansar, para deitar debaixo da sombra de uma árvore e simplesmente descansar. Seus horários eram cada vez mais confusos: Não tinha horário para dormir e muito menos para acordar. Quanto tempo já fazia que ela não se assentava com alguém, sem ter uma agenda por detrás, sem ser por causa de um compromisso. Simplesmente pelo prazer de fazer as coisas?

Lembrei-me do que diz a Bíblia diz: “Não te impacientes, certamente isto acabará mal”. Vivemos uma época de impaciência. Somos impacientes com a vida, com os outros, com nossos filhos, com nossos amigos. Somos impacientes com Deus… Não temos tempo relaxar e abrir nosso coração para simplesmente ouvir o que Deus tem a nos dizer. Não conseguimos ouvir a voz de Deus e não conseguimos sequer ouvir a nós mesmos. Não conseguimos descansar, Nos tornamos viciados em trabalhar. Nos tornamos máquinas de produção. Estamos ocupados demais para orar, para buscar a Deus, para ouvir amigos, para ouvir estrelas. Esquecemos das velhas palavras do poeta que dizia: “Preciosas são as horas na presença de Jesus, comunhão deliciosa de minha alma com a luz”.

Viramos máquina de produção, não seres de relação. Vamos a igreja ansiosos para que nossa atividade religiosa acabe, temos muita coisa para fazer. Chegamos atrasados e saímos adiantados. Estamos ocupados demais para orar… Nossas orações são mecânicas, superficiais e vazias. Nossa reflexão, quando feita, é formal e quase automática. Não temos tempo para refletir sobre a vida, para namorar. Não somos capazes de meditar… somos seres de ação.
A Bíblia, porém, afirma: “Não te impacientes, certamente isto acabará mal”…
A impaciência nos deixa irritados, rouba de nós a energia e nos torna menos produtivo. A impaciência nos adoece, nos debilita. Mas o pior de tudo: A impaciência destrói nossa alegria de viver!

Várias vezes a Bíblia nos ensina coisas relacionadas a necessidade e a benção de vivermos de forma paciente e segura. Nos ensina a ter paciência nos processos históricos que Deus usa para nos dar as coisas. Que não adianta se desesperar e viver como louco. Nos ensina a depender de Deus.
“Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl 46:10 Este texto dá ênfase não está em sermos displicentes e preguiçosos, mas em pormos a confiança no Deus que tudo pode suprir. Você acredita realmente que pode depender do Senhor, da sua provisão? Na verdade temos vivido impacientes, ansiosos...

O maior exemplo de paciência está no Calvário. A Bíblia nos afirma que Jesus suportou “com paciência”, o sofrimento. Naquela cruz, Jesus estava ocupando o meu lugar e o seu lugar. Naquela cruz o Cordeiro de Deus se tornou paciente até a morte, e morte em seu lugar e no meu lugar.

Um conhecido pregador americano, capelão do Senado alguns anos atrás, ficou conhecido na América por causa de suas belíssimas pregações. Seu nome era Peter Marshal. Um dos sermões mais interessantes dele tinha o título: “Pecado no tempo presente!”.
Ele conta a experiência de um pai e seu filho interagindo na vida. Eles eram lavradores e costumavam levar suas colheitas para venderem na cidade num determinado dia da semana. O filho era extremamente agitado, ao passo que o pai era um homem calmo e paciente. Preste atenção na sua narrativa, fiz algumas adaptações apenas contextuais:
Muitos anos atrás, no Japão, havia um rapaz que cultivava um pequeno canto de terra.
Diversas vezes por ano, carregavam o carro de boi com verdura e iam à cidade mais próxima.
A não ser o nome e o pequenino canto de terra, pai e filho tinham muito pouca coisa em comum.
O velho cria em não trabalhar demais...e o filho era ativo.
Certa madrugada carregaram o carro,
Atrelaram o boi, e saíram a caminho.
O jovem calculou que, se acordassem cedo, logo poderiam estar na cidade para vender seus produtos.
Andava ao lado do boi, picando-o com o aguilhão para andar.
“Calma”, dizia o velho. “Você viverá mais”
“Se chegarmos ao mercado antes dos outros”, disse seu filho, “teremos a oportunidade de conseguir melhores preços”.
O velho puxou o chapéu sobre os olhos e pôs-se a dormir no banco.
Seis quilômetros depois, chegaram a uma pequenina casa.
“Cá está a casa de seu tio”, disse o pai. “Vamos parar e dizer bom dia”.
“Já perdemos uma hora”, retrucou o rapaz.
“Então mais alguns minutinhos não farão diferença”, replicou o pai. Meu irmão e eu vivemos tão perto e quase nunca nos vemos”.
O moço se movia impaciente enquanto os dois senhores conversavam e davam boas risadas, tomando o seu chá.
A caminho outra vez, o pai, por sua vez se incumbiu do boi. Um pouco mais adiante, chegaram a uma encruzilhada. O velho tocou o boi à direita.
“O caminho à esquerda é mais curto”, disse o rapaz.
“Eu sei”, disse o velho, mas este é mais bonito.
“Você não faz caso tempo, faz?”, perguntou, impaciente, o jovem.
“Faço muito caso” disse o velho. “É por isso que eu gosto de usá-lo para ver coisas bonitas”.
O caminho a direita passava por florestas e flores do mato. O jovem estava tão ansioso que não reparou quão belo era a natureza.
“Esta é a ultima viagem que faço com o Senhor”, disse zangado o filho.
O senhor se incomoda muito mais com flores de que com ganhar dinheiro”.
“Isso é a coisa mais amável que você me diz há muito tempo” sorriu o velho.
Dois quilometros adiante, encontraram um fazendeiro tentar tirar seu carro de um buraco.
“Vamos ajudá-lo”, disse o pai.
“e perder mais tempo?” explodiu o filho.
“calma” disse o velho. “você poderá cair num buraco também algum dia”.
Quando conseguiram tirar o carro, tinham perdido um tempo precioso, na visão daquele rapaz, eram quase 8 horas da manhã, iam chegar tarde à feira, apesar de terem acordado tão cedo. Iam perder bons negócios...
Repentinamente um som estranho e um risco estranho rasgou o céu. Ouviu-se um trovão, assustador.
Além das montanhas, os céus ficaram negros.
“Parece que vai chover muito na cidade”, disse o velho.
“Se não tivéssemos perdido tempo, teríamos vendido tudo já! resmungou o filho.
“Calma, disse o velho, você viverá mais”.
Quando alcançaram, ainda bem distante, o topo do morro, ficaram perplexos com um o que viram. Por detrás daquele trovão, e daquele barulho, e as nuvens escuras nos céus, viram uma cidade completamente destruída.
Ficaram olhando por longo tempo, nenhum deles falou.
Finalmente o moço que estivera em com tanta pressa disse. “compreendo o que o Senhor quis dizer, papai”.
Viraram o carro e afastaram da cidade que tinha sido Hiroshima[1].
[1] Marshal, Peter – Para todo sempre. São Paulo, C.E.P, 1959. Pg 310-312