segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Princípios



Sr. Augusto Abrantes era um homem de princípios claros e firmes. Negro, pobre, neto de escravos, presbítero da Igreja Presbiteriana em Gurupi-TO, foi eleito vereador da cidade, na época em que o Brasil possuía apenas dois partidos. Certa feita, sendo oposiçāo ao prefeito da cidade, precisaram do seu voto para aprovaçāo de um projeto questionado pela sua bancada. Procuraram-no privativamente e ofeceram vantagens financeiras, caso os apoiasse. Com sua serenidade habitual, de forma direta respondeu: "Senhores, já foi o tempo em que se vendiam os negros".
Ao agir assim, este homem foi norteado por seus princípios e valores. Princípios sāo elementos que norteiam atos e decisões. Eles oferecem estabilidade e perspectiva. Sāo muitos os métodos, mas poucos os princípios; os métodos sempre mudam, os princípios, nunca. Princípios nos ajudam a alcançar objetivos permanentes e a evitar tendências passageiras. Se nāo nos orientarmos por princípios seremos governados por pessoas, emoções e situações, clássicos inimigos de valores permanentes.
Pessoas controladas por emoções, reagem a provocações, decidem com base no emocional, fazem negócios ou tomam decisões sentimentais. Assim se entregam às paixões, decidem no ímpeto, e depois correm atrás de perdas, danos e prejuízos, ferindo muitos e sendo feridos no processo.
Se guiadas por pessoas tornam-se marionetes,  movidas por popularidade e pelo que os outros pensam. O problema ė que tendências quase nunca sāo coerentes. A mesma multidāo que aclama Jesus na entrada triunfal em Jerusalém, uma semana depois clama em histeria que ele seja crucificado.
Quando as decisões sāo tomadas por circunstâncias: pressāo social, forças políticas, lucros imediatos - o medo torna- se o conselheiro. Oscilações do mercado, do humor dos outros e tendências da moda sāo sempre voláteis. Ao construirmos sobre princípios, os fundamentos sāo sólidos, se sobre situações, perdemos a referência do que é lícito ou ilícito, eticamente correto ou nāo, do certo ou errado.
Precisamos redescobrir princípios permanentes que se aplicam a todos os povos, em todos os tempos. Por favor, nāo confunda com métodos, que sāo "aplicações variáveis de princípios universais invariáveis" (Wiersbe). Sempre vamos precisar de novos métodos que se adequem às novas situações na medida em que surjam novos desafios e novos paradigmas.
Precisamos mais do que nunca fincar estacas e fortalecer alicerces, como afirmou Thomas Jefferson: "Em relaçāo aos princípios, seja uma rocha; mas em questāo de preferência, faça adequações". Princípios sāo valores eternos, pontos de referência. Nāo mude os marcos antigos, nem negocie valores, se deseja alcançar estabilidade e perspectiva. Princípios ajudam a alcançar objetivos permanentes e a evitar tendências passageiras.

Conceitos e preconceitos


Estamos no meio de uma crise conceitual. Chegamos ao ponto de não podermos ter mais conceitos. Ao ser indagado se tinha preconceito sobre determinado assunto, uma pessoa respondeu: "Não, eu não tenho preconceito sobre isto, eu tenho conceito".
Será que teremos que viver no estilo "maluco beleza" de Raul Seixas que afirmava, "eu prefiro ser, esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo", ou numa encruzilhada filosófica onde não poderemos ter opinião formada sobre nada?
Precisamos discernir conceito de preconceito. O pré-conceito, e aqui intencionalmente coloco um hífen entre estas duas palavras, aponta quase sempre para algo negativo. É, por sua natureza intrínseca, obtuso, reacionário e agressivo e se fecha para novas alternativas e novos caminhos, sacraliza os métodos e processos, sataniza o diferente, não consegue fazer releituras e não admite a possibilidade de um olhar alternativo. Acima de tudo, o pré- conceito se torna moralista, legalista e punitivo. 
Foucaut toca essencialmente nesta tensa questão em "Vigiar e punir": "Existem momentos na vida que a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir".
Por outro lado, não estabelecer uma linha de conceitos, princípios e valores, que orientam a vida e as relações humanas, nos transforma em pessoas anárquicas, que não conseguem encontrar um mínimo de consenso para se formular uma lei. Um princípio legal pressupõe um ou vários conceitos. Já pensaram numa sociedade na qual não existem leis, porque as pessoas nāo conseguem encontrar princípios e valores que possam norteá-la?
Conceitos são necessários para nossa sobrevivência enquanto indivíduo, o aspecto mais radical de alguém sem qualquer senso de valor é o sociopata. Ele recusa toda forma de convenção e adota o seu estilo pessoal, no qual não reconhece valor nem princípio, não sente dor nem remorso. Ele faz porque quer, independente dos padrões e culturas da sociedade em que vive.
Conceitos são necessários para dar estabilidade, a ausência deles implica no anarquismo; conceitos são indispensáveis para se organizar a ordem e a lei, o extremo disto é o caos social.
Preconceitos são dispensáveis porque seu resultado é o desprezo à opinião do outro, a pseudo superioridade moral e religiosa, o julgamento pelo esteriótipo e pela aparência, a incapacidade de diálogo e abertura para o novo e pela riqueza das diferentes hermenêuticas da vida.
 É interessante que a bíblia, um livro julgado por muitos como retrógado e antiquado ( fruto do preconceito) ensina-nos: "Acolhei ao que é débil na fé, não, porém,  para discutir opiniões. Um crê que de tudo pode comer, mas o  débil come legumes; quem come, não despreze o que não come, porque Deus o acolheu...um faz diferença entre dia e dia; outro julga igual todos os dias" (Rm 14.1-5). Discriminar, julgar e ordenar o outro, é ranço do preconceito. Mas
observe o que o mesmo texto nos ensina em seguida: "Cada um tenha opiniāo bem definida em sua própria mente". 
O mesmo texto que ensina a não tratar o outro de forma condenatória e respeitar o ponto de vista divergente, a não nos perdermos nesta multiplicidade de conceitos e a termos opinião clara sobre ideias e valores. Não preciso e nem posso julgar o outro, mas posso e devo saber exatamente no que creio e penso e viver debaixo de tal conceito, por uma questão de integridade e coerência para comigo mesmo, com minha consciência e meu Deus.



O preço da miséria e do abandono



Nos idos de 1998, morando nos Estados Unidos, nos surpreendemos com o ineditismo de uma proposta do governo americano. Percebendo a quantidade de hispanos (entre os quais somos incluídos) e asiáticos, com baixíssima qualificação profissional e preparo acadêmico, o governo se propôs a dar bolsas e verbas para que este segmento social pudesse melhorar suas habilidades. A lógica da proposta não era apenas humanitária – era também econômica.
O princípio subjacente é o seguinte: A pobreza, a miséria e o abandono trazem um custo social muito grande, cobrando muito do governo. Os múltiplos programas sociais do governo hoje no Brasil, como o Bolsa família, o bolsa escola, bolsa desemprego, etc, atestam isto. Embora seja uma estratégia correta para minimizar a miséria, cujo custo se torna altíssimo em criminalidade, doença e sofrimento. Obviamente tais programas ainda carecem de propostas mais conclusivas, retirando as pessoas que hoje dependem destes recursos para uma inserção comunitária, mas a verdade simples é que não podemos descuidar: o preço da miséria é muito alto para uma sociedade.
No livro 1822, de Laurentino Gomes, o autor demonstra que a economia daqueles dias girava em torno do trabalho escravo. Os ricos fazendeiros e comerciantes de então, acreditavam que a abolição traria um grande prejuízo para o comércio e ruína para a agricultura, mas ele aponta como esta situação de desumanização trouxe inúmeras rebeliões: Guerra das Cabanas (Pernambuco, 1831); A Balaiada (Maranhao e Piauí, 1834); A Cabanagem (Para, 1831); e a Revolta dos Malês (Bahia, 1835).
Embora D. Pedro I não tivesse conseguido avançar na questão da escravatura, escreveu um documento surpreendente para seus dias (1823), que se encontra hoje no Museu Imperial de Petrópolis. Este texto revela extrema lucidez:
“Ninguém ignora que o cancro que rói o Brasil é a escravatura, é mister extingui-la. A presença dos escravos distorce o caráter brasileiro, porque torna cruéis nossos corações e amigos do nepotismo. Todo senhor de escravo, desde pequeno, começa a olhar seu semelhante com desprezo, um hábito que faz contrair semelhantes vícios, deve ser extinto, e só assim os senhores olharão para os escravos como seus semelhantes (...) O cidadão que não conhece os direitos de seus concidadãos também não conhece os seus e é desgraçado toda vida”.

Para Laurentino Gomes, os filhos desta orfandade e abandono é um passivo, a rigor, que o Brasil carrega até hoje. Uma sociedade só pode ter grandes conquistas, quando não busca apenas seus interesses pessoais e a defesa de grupos de elite, mas entende que riquezas e bens de uma nação, podem favorecer a todos. Mesmo para os ignorantes que acham que o favorecimento pessoal é a única coisa que importa.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A violência Silenciosa



O Brasil tem a fama de ser um povo pacato, que não gosta de brigas, cordato, gente boa. Nem a “independência” de Portugal foi feita com sangue e suor como os outros povos, mas através de conchavos, negociatas de imperadores e transações comerciais nesta trama pavorosa. Contudo, os números recentes sobre homicídios no Brasil não apontam na direção de um povo pacato, mas de uma sociedade silenciosamente violenta.
O anuário brasileiro de segurança pública trouxe dados aterradores sobre 2012. Nada menos que 50.180 crimes violentos e letais, entre eles, homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte foram cometidos, de acordo com a estatística oficial. Isto sem contar os 19.209 homicídios culposos no trânsito; 190.322 roubos de veículos; 1.087.059 roubos em geral e 50.617 estupros (18% a mais que 2011).
Nossos indicadores econômicos estão melhorando, mas a violência não diminui. Sem falar das formas sutis de violência como o machismo, o desrespeito aos pobres e idosos, a violência no trânsito. Toda esta situação aponta para o coração humano: Alguma coisa não vai bem com a alma humana. Temos uma tradição de passividade e sossego, mas estamos em guerra no coração, e isto se reflete nos relacionamentos. A violência não é um ato fortuito, acidental e gratuito. Precisamos ter “cuidado com a paz armada e a guerra fria”.
Em 1992 Arnaldo Jabor publicou o ensaio “O Brasil choca o ovo da jibóia” (Jornal Folha de S. Paulo 1/11/92) Nele afirma que “A riqueza não olha a miséria, mas a miséria olha a riqueza”. Jabor faz o elogio dos meninos do arrastão que estariam indo à luta, querendo melhorar o Brasil, o Brasil deles. Afirma ainda que “há um outro Brasil, um Brasil de psicanalistas, artistas, filósofos, que vive abstratamente do mal-estar da impossibilidade”. Para Jabor, Brasil concreto é menino cheirando cola na Praça da Sé.
O fenômeno do Black block, dos mascarados na rua demonstra esta violência interior. Neste movimento temos um misto de protesto, criminalidade e baderna e isto revela a desesperança e frustração presentes. É uma forma severa de violência. Boa parte não sabe sequer porque se quer lutar, apenas deseja lutar.
A violência assume roupagens complexas e se manifesta de forma brutal. Ela revela a fragmentação das famílias, a ausência de parâmetros e relações significativas; a brutalidade de um “embargo infringente”, ou “embargo indecente”. A violência se constrói numa sociedade de desigualdades e na perda de referências éticas, familiares e espirituais. Em 1933, em resposta a uma carta de Einstein, Freud escreveu em Por que a guerra: “a guerra nos despoja dos acréscimos ulteriores da civilização e põe a nu o homem primitivo que há em cada um de nós”.

No Brasil de hoje, com este número alarmante de homicídios, arrastões, depredações e saques, não estaríamos assistindo a uma busca desesperada e maciça de apropriação de algo próprio, de uma identidade perdida? Uma busca por um sentido maior, que preencha a difusa angústia da alma? Um simbólico? Por um ponto infinito que em última instância se chama Deus?