terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Síndrome de Asperger



Ele não sabia como lidar com o silêncio e a distância emocional de seu pai. Sua mãe havia fugido de casa quando ele ainda era pequeno, deixando com o seu pai a desafiadora tarefa de cuidar dele. Apesar de nunca ter lhe faltado cuidado, seu pai nunca se interessou pelos seus problemas, e não procurava ninguém para conversar, nem tinha amigos. Sua rotina era basicamente ir para o trabalho repetitivo e mecânico de uma fábrica e colecionar moedas, único hobbie que possuía na vida. Seguia uma rotina sistemática e pesada, comendo as mesmas coisas, no mesmo horário, vestindo as mesmas roupas e saindo pontualmente de casa para o trabalho. Suas respostas aos estímulos externos eram monossilábicos e não demonstrava grandes alegrias ou tristeza.

A única possibilidade de manter algum nível de diálogo com ele, era conversando sobre moedas. Ele tinha um bom acervo delas e apesar de ser um homem simples, possuía um conhecimento surpreendente sobre moedas raras, sobre as quais poderia discorrer com precisão. Um dia, auxiliado por sua namorada que trabalhava na área da saúde, recebeu o diagnóstico de que seu pai tinha Síndrome de Asperger. A rotina imutável, a inaptidão social, a falta de interesse em outros temas além de moedas, o desejo de ficar sozinho, apontavam para esta realidade. Enquanto pessoas comuns podem fazer suas escolhas livremente, pessoas com esta doença parecem ser forçadas a viver essa vida com opções pré-determinadas.

Este é o retrato de um personagem do romance de Nicholas Sparks, Meu Querido John. Algumas pessoas com Asperger tem um baixo QI, outros conseguem viver tão bem em sociedade que dificilmente alguém saberá sua condição, outros precisam ser internados. É possível ainda se tornarem prodígios na música ou na matemática, e não raramente são consideradas tímidas ou retardadas. A Síndrome de Asperger, embora parecida com autismo, pode ser resumida do seguinte modo: uma pessoa com autismo vive em seu próprio mundo, enquanto uma pessoa com Asperger vive no nosso mundo, do modo que ela escolheu.

Isto me desafia bastante porque tenho observado que existem pessoas que desenvolvem esta espécie de “autismo extrovertido”. Criam um mundo paralelo para si mesmos, e demonstram pouco interesse no problema dos outros. São auto centradas e auto absorvidas, vivendo numa realidade que escolheram para si de tal forma que mesmo quando estão em família ou grupos sociais são incapazes de interagir. São distantes afetivamente por causa de seu narcisismo ou egolatria. Na relação sexual não interagem, porque estão tão preocupadas com seu orgasmo que são incapazes de amar ou se doarem.

Surge assim o problema do diagnóstico: Até quando tais sintomas devem ser considerados enfermidade ou egocentrismo? Desinteresse, desatenção, descaso ou doença? Egoísmo ou patologia?  Já vi caso de pessoas que estão numa roda de conversa, mas nunca estão presentes, de pais que se encontram em casa, mas não se relacionam com os filhos, de maridos e esposas que vivem seus mundos e são alheios ao que acontecem ao redor.


Antes de considerar se você tem mal de Asperger, seria interessante pensar se seu problema não é ausência de afeto e de real interesse pelos outros. Admitir tal situação pode ajudá-lo a tratar o grande problema da alma humana que é a indiferença. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A importância da Adversidade


No deserto do Arizona, um filantropo americano decidiu realizar um projeto controvertido. Ele financiou um grupo de pesquisadores para construir uma bioesfera, simulando a vida num planeta hostil, e a transformou num espaço habitável completamente isolado do resto do mundo. Dentro de suas paredes impermeáveis de vidro, este grupo de pessoas procurou viver com autossuficiência de plantas, animais, comida e água, tudo sem precisar do mundo exterior. Eles queriam demonstrar que se tal comunidade fosse bem sucedida , a experiência poderia ser repetida em outros planetas.

O sucesso do projeto permanece em questionamento, apesar de muitas descobertas se mostrarem interessantes. Foi possível fazer colheitas de grão e determinados animais conseguiram se adaptar, certas espécies de arvores, como o choupo-do-Canadá se desenvolveram bem na bioesfera, crescendo com aparente vitalidade. Contudo, estudos posteriores revelaram que seu tronco era extremamente frágil, sem correntes de ar, a árvore não se tornou capaz de enfrentar os ventos. Tinha altura, mas não resistência.

Esta é uma boa ilustração de que viver numa redoma não é psicologicamente saudável. Somos uma geração que detestamos qualquer dor e não sabemos lidar com perdas e lutos, entretanto, situações de adversidade e oposição são  essenciais para o desenvolvimento do caráter provado e de uma vida equilibrada.

A Bíblia afirma que “A tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança”(Rm 5.3,4). Os eventos adversos nos tornam resilientes, gerando a mesma capacidade que determinados corpos apresentam de retornar à forma original, após serem submetidos a uma deformação elástica, ou, de se recobrar facilmente e se adaptar às pressões e mudanças. Por mais salutar que possa parecer, tentar evitar que os filhos sejam protegidos de todas as intempéries não é realista, nem gera perseverança e experiência. Ventos fortes, oposição, contrariedade, nos transformam em pessoas fortes, e não necessariamente em gente cínica e traumatizada.

Embora saibamos que muitas dores podem ser evitadas, porque decorrem de más escolhas e decisões equivocadas, muitos males advém da realidade do mal ao nosso redor. Uma família disfuncional traz muitos danos psicológicos aos filhos, com sérios desdobramentos nas futuras gerações. Outras vezes, porém, o sofrimento paradoxalmente advém da integridade e justiça. Por isto somos encorajados pelas Escrituras: “Se, quando praticais o bem, sois afligidos e o suportais com paciência, isto é grato a Deus”(1 Pe 2.20).

O apóstolo Pedro escreveu estas palavras para uma comunidade nos primórdios do cristianismo, que estava sob enorme pressão e antagonismo, não porque estivesse fazendo algo errado, mas porque decidiu agir honestamente com sua consciência. 
 
Naturalmente nos assustamos quando a adversidade surge por causa da integridade. De qualquer forma, a oposição nos assusta, sejam quais forem as suas razões. Apesar de  ficarmos estremecidos, deveríamos entender que as raízes de uma árvore se fortalecem na medida em que enfrentam tempestades e fortes ventos. Árvores da montanha se tornam muito mais fortes, e aprofundam suas raízes, porque precisam se fortalecer diante das intempéries.

As árvores da bioesfera conseguiram crescer, mas se tornaram raquíticas porque suas raízes eram superficiais e seus troncos frágeis. Então, não se assuste com as dificuldades de hoje, porque podem moldar seu caráter, fortalecer seus valores e forjar sua personalidade.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A Tirania dos “deverias”

Karen Horney, conhecida psiquiatra afirmou que é uma das coisas mais devastadoras do ser humano na trajetória do seu crescimento e maturidade é a tirania do “deverias”. A pessoa passa a vida inteira achando que a vida “deveria ser assim”, que as pessoas “deveriam” agir assim, que o mundo “deveria” ser assim, que Deus “deveria” fazer assim, que as coisas não “deveriam” ser assim...

Isto acontece quando a pessoa aprende mais sobre o ideal do que sobre o que é real. É fácil ouvir os outros dizendo o que deveríamos ser, antes de entenderem quem somos. Por isto, facilmente podemos corre-se atrás do que é ideal, distanciando do real, construindo fantasias e sonhos ao invés de considerar o ponto de partida da realidade.

Isto pode ser ilustrado com uma conversa que tive com um colega. Ele tem características maravilhosas naquilo que faz, mas deparava-se com limitações profundas em outras, e isto o fez carregar um enorme peso e cobrança. Uma frase, porém, mudou sua história: “Quando eu sei que não sei, não dói!” Pense nisto!

Em outras palavras, quando ele se concentrou naquilo que era capaz de fazer bem, e não naquilo que esperavam que ele “deveria” fazer, conseguiu ser mais produtivo e proativo, e tirar um enorme fardo de tentar ser o que não era.

Por causa dos “deverias”, passamos a creditar que o trabalho “deveria” ser incrível (quando nem sempre ou quase nunca é); que “deveríamos” ser pessoas de sucesso (quantas realmente o são?); termos empregos ideais com salários ideais (quantos alcançaram isto?) e desta forma, por não sabermos lidar com o que é real, buscamos o emprego ideal, a faculdade ideal, o parceiro ideal, a vida ideal, quando na verdade deveríamos agir sobre o que é real.

Jovens são particularmente vítimas de tais sentimentos. Por não encontrarem o pote de ouro, a vida ideal, sem problemas, sentem-se desencorajados ao lidar com a concretude da vida, e tornam-se absorvidos pelo “deverias”; não querem dar duro e enfrentar sacrifícios, porque ilusoriamente acreditam que deveriam receber maior consideração, salários mais altos, melhores condições de trabalho e patrões menos exigentes.


Aqueles que nascem em famílias que evitam a todo o custo a ideia de sacrifício dos filhos, e não souberam estabelecer limites e parâmetros realistas, encontram ainda maior dificuldade porque seus pais os impediram de crescer psicologicamente, fazendo-os acreditar que eram merecedores de uma vida melhor sem cumprirem as etapas necessárias de esforço, sacrifício, lutas, abnegação, resiliência e persistência. Estes, facilmente, se tornam vítimas da “tirania dos deverias”

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A força dos vínculos fracos


A primeira vez que ouvi sobre este assunto foi no interessante livro “A Idade decisiva”, de Meg Jay, psicoterapeuta americana, que analisa as dificuldades dos jovens na fase de vida entre 20-30 anos. Se você se encontra nesta época da vida, vale a pena considerar sua leitura. Desde então, tenho percebido como este princípio funciona.

Quem primeiramente falou deste assunto foi o sociólogo Mark Granovetter, que numa pesquisa entre trabalhadores que recentemente haviam conseguido um emprego, percebeu que as oportunidades não surgiram através de amigos próximos e familiares, presumivelmente os mais propensos a ajudar, mas ¾ deles encontraram vagas com pessoas cujos relacionamentos eram ocasionais ou raros. Ele deu a este princípio, o nome de “A força dos vínculos fracos”, isto é, o incomparável valor de pessoas que não conhecemos bem.

A socióloga Rose Coser, aprofundou este tema e chegou à conclusão que amigos próximos nos atrasam, porque vínculos fortes parecem confiáveis, mas afora o apoio, tem pouco a oferecer, além da empatia, mas os “vínculos fracos”, nos dão acesso a pessoas e informações que desconhecemos, trazendo insights e oportunidades que se ampliam exponencialmente.

“Vínculos frágeis” possuem leituras e opiniões diferentes, e nos fazem pensar em aspectos e oportunidades até então desconhecidos, menos elaborados ou consensuais, e através deles é possível considerar caminhos que saem da esfera comum dos relacionamentos fortes, que tendem a um discurso único e linear e nos limitam a enxergar a vida com lentes diferentes. Vínculos fracos promovem e forçam crescimento e mudança.

Isto indica que “pessoas que menos conhecemos podem se tornar as mais transformadoras. As novidades quase sempre vem de fora do círculo de pessoas próximas” (Meg Jay). A sensação inicial de pertencimento pode nos desligar do universo maior e de múltiplas oportunidades.

Portanto, ao encontrar pessoas fora do seu círculo de amizade, valorize-as, dê atenção. Pode ser que esta pessoa que você encontra hoje, de forma casual, incidental e despretensiosamente, transforme sua história de maneira indelével, abrindo portas, dando dicas, sinalizando caminhos que você nunca havia considerado.


Não despreze estes encontros casuais, com gente desconhecida na porta da igreja, numa festa de aniversário, ao redor de uma mesa ou numa festa de casamento. Você nunca sabe o potencial que cada uma delas traz em si. Deste encontro fortuito, algo inteiramente novo e revolucionário pode acontecer. Não despreze a força dos vínculos fracos.