quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O Efeito Trump


O país mais rico e poderoso do mundo encontra-se no processo de escolher o futuro presidente. Dentre as opções há os moderados, os políticos de carreira, azarões que se aventuram a concorrer ao cargo, uma forte candidata, que, se eleita, seria a primeira mulher a assumir o cargo e um falastrão chamado Donald Trump.

Trump é biliardário, acumulou riquezas por sua sagacidade e agressividade no mundo do Business. É inconsequente, fala o que vem na cabeça e não sente necessidade de qualquer sensibilidade a grupos minoritários. Pela sua forma grotesca, era de se esperar uma reação oposta tão grande quanto a da possível candidatura do Tiririca no Brasil.

No entanto, o que vem acontecendo? Trump tem conseguido vitórias em algumas prévias do seu partido republicano, justamente por ser claramente contra os imigrantes, especialmente latinos, islâmicos e árabes.  É quase certo que sua candidatura não emplaca, mas por ter um discurso reacionário, radical e xiita, é de impressionar que esteja obtendo vitória num país de mente aberta, que sempre enfatizou a liberdade, moderação e tolerância. O apoio politico que vem recebendo indica uma tendência. O que nos ensina o Efeito Trump?

É interessante considerar que é fácil sair da oligarquia para a ditadura, atravessar a fronteira da democracia e chegar à anarquia, como já sinalizava Platão, na sua teoria cíclica da história. As tendências mudam.

No Brasil, saímos da oligarquia dos Orleans e Bragança para a República, que oscilou entre a liberdade e a ditadura, e agora entra num sistema quase anárquico.  O aumento da corrupção e violência, torna o ambiente propício para surgimento de mercenários e justiceiros,  contratados para proteger grandes poderes econômicos ou mesmo o inseguro cidadão comum. Surgem assim códigos e ética nem sempre convencionais; fazendeiros contratam jagunços para proteger suas propriedades contra grupos que se consideram acima da lei, e algumas regiões como luxuosos condomínios da Barra da Tijuca, Lago Sul em Brasília e a nobreza de Higienópolis em São Paulo são militarizadas.

Neste ambiente inseguro, surge o desejo por uma figura forte que traga a ordem e a paz. Foi assim que surgiu Hitler. Um homem carismático com um discurso de ultra direita, extremo nacionalismo, e restauração do orgulho e economia do país e de resistência aos imigrantes (no caso da Alemanha, os judeus). Até mesmo igrejas, padres e pastores aderiram e abraçaram a causa do III Reich, porque viam neste bárbaro ditador, a resposta aos desmandos e rumos da nação.

Donald Trump pode se tornar assim para os americanos. A tábua de salvação, a resposta às tendências liberais, à moral frouxa e  ruptura com as tradições. Seu discurso atrai os conservados e a ultra direita dos radicais de Maine e Nevada.
E no Brasil, o que podemos esperar senão a mesma tendência? Quanto mais desacreditada se torna a nação, mais aumenta o desejo e aspiração pelo  surgimento de um messias, um redentor, uma figura pública que se torne a salvação da moral e dos costumes, que confronte um congresso fisiológico, corrupto e viciado, e desmantele quadrilhas de funcionários públicos que são movidos à extorsão e só trabalham à base de propinas.

Este terreno fértil do “nobody, nowhere, nonsense”, produz aspirações distorcidas e anseios por soluções mágicas. No entanto, a grande verdade é que “não existe almoço grátis!”. Não se constrói um corpo saudável com anabolizantes; não se alcança ordem e progresso com artifícios e populismo barato; nem se protege e constrói o caráter de uma geração com frouxidão educacional e tolerância preguiçosa.

Há muita coisa complexa e difícil. Não se constrói uma catedral em um mês, nem existe fórmula fácil e mágica. É necessário trabalho, perseverança e integridade. Hitler, Idi Amim Dada, Hugo Chavez nunca trouxeram benefícios duradouros para suas nações, assim como Trump não traria aos EUA, nem qualquer aventureiro e falastrão trará ao Brasil.


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Vivendo a partir do centro

Em 1941, Thomas R. Kelly escreveu um dos textos mais fantásticos sobre ansiedade e cansaço: A Testament of Devotion – Nova Iorque: Harper and Brother. Sua atualidade é ainda hoje impressionante. Veja o que ele diz:

Nossas vidas na cidade moderna tornam-se demasiado complexas e cheias. Mesmo as obrigações que consideramos absolutamente necessárias, aumentam a cada dia, e quando percebemos, já estamos sobrecarregados de reuniões, cansados e apressados, cumprindo ofegantes uma roda viva de compromissos. Somos muito ocupados para sermos boas esposas, bons maridos, bons pais, e bons amigos, e não temos tempo algum para sermos amigos daqueles que não tem amigos. E quando tentamos nos retirar desses compromissos para passar algumas horas com a família, as responsabilidades da cidadania sussurram no nosso ouvido e perturbam o nosso sossego.

Ele continua afirmando: “Com uma finalidade frenética, tentamos cumprir o mínimo aceitável de compromissos, mas vivemos esgotados e exaustos. Reconhecemos e lamentamos o fato de que nossa vida está se esvaindo, dando-nos tão pouco da Paz, gozo e serenidade que pensamos que deverá proporcionar a uma alma superior. Os momentos para as profundezas do silêncio do coração parecem tão raros. Com uma tristeza culposa adiamos para a semana que vem aquela vida mais profunda de serenidade inabalável na Santa Presença, onde sabemos que está o nosso verdadeiro lar, porque esta semana está muito cheia”.

Brennan Manning afirma que o grande desafio que temos para vencer tais demandas é viver a partir do centro, porque esta é a única forma de nos libertarmos da tirania da pressão dos nossos iguais. Quando viver para agradar o Pai, como fez Jesus, torna-se mais importante que agradar as pessoas. Por isto Jesus eventualmente se afastava das exigências das pessoas e multidões, e dos julgamentos moralistas dos religiosos, para se encontrar com o Pai.

Desta forma, Jesus foi capaz de olhar ao redor sem ansiedade ou medo da rejeição das pessoas.

Kelly narra a história pessoal de John Woolman (alfaiate Quacker do século XVIII). Ele Simplificou sua vida à base de sua relação com o Centro divino. Nada mais valia tanto quanto a atenção à Raiz de todo viver que ele descobria dentro de si mesmo. Nunca permitiu que as exigências do seu negócio ultrapassassem suas necessidades reais. Sua vida exterior tornou-se simplificada à base de uma integração interior. Descobriu que podemos ser homens e mulheres guiados pelo céu, e se rendeu completamente, sem reservas àquela orientação, tornando-se aquecido e próximo ao Centro.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O Deus desaparecido

Um dos sentimentos comuns no ser humano é o de ser esquecido de Deus. Existem vários textos no livro dos Salmos, repleto de exclamações e lamentos neste sentido: “Por que te esqueceste de mim? Até clamarei e não me ouvirás? O teu Deus, onde está? Por que não me respondes as orações?” Há uma grande quantidade de pessoas em diferentes situações fazendo este desabafo diante de Deus, sem sequer ter certeza de que Deus as ouve.

Ao lermos as últimas parábolas de Jesus no Evangelho de Mateus, observamos assustados e estarrecidos que o próprio Jesus fala deste tema. A parábola das dez virgens, descreve um noivo que chega tão tarde que até as noivas estavam dormindo: “E, tardando o noivo, foram todas tomadas de sono e adormeceram” (Mt 25.5). Um fazendeiro faz uma longa viagem, e deixa os empregados cuidando de sua lavoura, e volta, “depois de muito tempo, para ajustar as contas com eles” (Mt 25.19). Um empresário deixou a empresa na mão dos funcionários, e as coisas pareciam tão abandonadas que eles acharam que eram donos e começaram a usar os recursos de forma equivocada (Mt 24.45-51). Todas estas narrativas contadas por Jesus, ilustram situações em que as pessoas tem que lidar com este Deus que “partiu e desapareceu”, e parece não ter deixado orientação e direção.

“Na verdade, as histórias de Jesus anteciparam a questão central da era atual: ´onde está Deus agora? ´ A resposta de hoje, de pessoas como Nietzsche, Freud, Marx, Camus e Beckett é que o Senhor das terras nos abandonou” (Yancey).

Na parábola das ovelhas e bodes, somos surpreendidos mais uma vez. Jesus fala do Deus que desaparece, só retornando para o dia do acerto de contas. Ele novamente se refere a este período intermediário, quando Deus parece ausente. No entanto, na visão de Jesus, Deus não estava oculto, mas assumiu o disfarce mais imprevisível e chocante na pele daqueles que sofrem e são desprezados.
“Quanto te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou preso, e não te servimos? E Jesus nos surpreende ao dizer: “Na verdade, todas as vezes que o deixastes de fazer a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer”. Com isto aprendemos que “se não podemos detectar a presença de Deus no mundo, pode ser que o tenhamos procurado nos lugares errados” (Yancey).

Boa parte das indagações filosóficas e teológicas seriam dissipadas, se, ao invés de fazermos um retorno ao nosso interior, na introspecção mórbida ou depressão egóica, fizéssemos um movimento para fora, em direção ao outro, ao irmão, e à dor daquele que sofre. Excesso de auto análise, de reflexão auto centrada e vitimismo, adoece ainda mais, porque entra-se em contacto com o cinismo, incredulidade e ceticismo, e o ciclo do desespero silencioso da alma.


Certamente não encontraremos Deus dentro do coração vazio e sem esperança, mas facilmente enxergaríamos este “Deus desaparecido”, na face oculta do que sofre, no amor e serviço ao ser humano, que foi atropelado pelas circunstâncias adversas da vida. Ali contemplaremos, assustados, o rosto deste Deus, que se oculta no meio desta caótica situação de dor e angústia humana.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O Brasil está melhorando!



Este título naturalmente é provocativo!

O brasileiro é sempre muito crítico de si mesmo, e lamentavelmente encontramos poucas coisas para apreciar no nosso país. Criticamos o transporte, a saúde, a economia, o governo – e somos incapazes de vislumbrar coisas positivas e falar bem do Brasil. Certamente temos muitos motivos para isto.

Não sei se você tem sentido tristeza e desânimo ao assistir às reportagens. Veja quanta coisa ruim: corrupção sistêmica, endêmica e pandêmica; segurança em situação crítica e violência; saúde pública caótica, com dengue, zika vírus, hospitais superlotados; sistema de transporte confuso e educação na UTI. Infelizmente, fechar os olhos e desligar-se de tanta notícia ruim, não melhora a situação presente.

Mas quando falo de um Brasil melhorando, deixe-me destacar alguns aspectos:

1.     Liberdade de imprensa - Boa parte do pessimismo de hoje tem sido causado pela imprensa livre que denuncia e revela os fatos. Quando as pessoas se tornam saudosistas e falam do retorno ao governo militar, devemos lembrar que repressão e ditadura odeiam liberdade de expressão. Muito do caos moderno tem a ver com líderes do passado que  manipularam o rádio e a televisão  e produziam a “versão oficial” dos fatos. A “Hora do Brasil”, ainda é um resquício deste controle. Quem deve transmitir as informações são órgãos livres e não imprensa paga pelo governo;

2.     Corrupção - Você acha a corrupção de hoje maior? Que tal ouvir um empresário conhecido e celebrado no Brasil, Ricardo Semler, autor de um best-seller nos anos 80, virando a própria mesa que afirma que a corrupção de hoje possui uma escala menor que no passado e que ele mesmo, jamais conseguiu fechar um contrato com estatais ou autarquias do governo, porque sempre se recusou a dar propina. A reportagem pode ser acessada na internet. A cultura brasileira da propina precisa ser sistematicamente combatida, ela tem uma genealogia terrível, proveniente do Brasil Império e senhores feudais. No entanto, nunca o Brasil conseguiu aprisionar tantos políticos graúdos ou empresários intocáveis nesta nação, e a Policia Federal agora está com suas cadeias cheias de corruptos e corruptores. Apesar de estarmos chocados com os fatos, esta é uma boa noticia.

3.     O exercício da democracia – Ainda somos uma nação embrionariamente nova quanto ao exercício do direito da cidadania. Eleições livres, alternância de poder, direito ao voto, são coisas relativamente novas. Em 1970, portanto há 40 anos atrás, o Congresso e o Executivo eram biônicos, indicados pelos poderosos. A obrigatoriedade do voto é ainda um ranço ditatorial, mas também vai acabar. Aprender a escolher líderes demora, ter acesso aos representantes é fato recente. Na adolescência da democracia, já vimos coisas bonitas acontecendo, mas é preciso mais. É preciso usar movimentos de massas, de lutas, alguns exageros, excessos e paixões vão surgir, mas aos poucos, vamos encontrando o valor de cada uma destas expressões.

4.     Poderes independentes – Apesar de termos informações de magistrados corruptos, sentenças vendidas, a verdade é que, mesmo os juízes não estão isentos de julgamentos severos. Juízes de Tribunais superiores, ainda que indicados pelo executivo, tem conseguido confrontar e agir de forma autônoma. Isto é uma grande conquista para a nação. É duro viver debaixo de um regime quando a Lei é o Rei, e não é a Lei que reina. Esta inversão não é apenas semântica, mas luciférica.


Sei que há muito a se fazer e aprender e não tenho espaço para continuar filosofando sobre estas coisas. neste artigo quis apenas trazer uma pitada de expectativa e esperança. E para aqueles que agora estão desanimados com seus comércios e investimentos, deixe-me dizer uma última palavra: Épocas de crise abrem grandes oportunidades para ajustes e crescimento. Quem sobreviver, sairá mais forte quando a demanda reprimida retornar. O grande crescimento dos EUA, veio depois de uma Grande Depressão e da II Guerra Mundial. Cenários catastróficos podem ser altamente construtivos.