domingo, 30 de agosto de 2015

Ateísmo é uma questão de fé

Luiz Felipe Pondé, filósofo, escritor e ensaísta brasileiro declarou que “ser ateu é muito chato!” Recentemente li uma frase de Alister MacGrath ainda mais contundente: “O ateísmo é uma declaração de fé, tanto quanto o cristianismo”. Ele defende a seguinte lógica: “O cristão acredita em Deus, e o faz por fé. Mas o ateu precisa fazer o mesmo. Ele crê que Deus não existe! Isso mesmo. Crê. Como não consegue provar que Deus não existe, o ateísmo torna-se um tipo de fé”. Esta afirmação filosófica, provavelmente coaduna com o provérbio popular: “Sou ateu. Graças a Deus!”

A verdade é que é necessário um bocado de fé para não crer. Norman Geisler & Frank Turek escreveram provocante livro, já traduzido para o português (Editora Vida), cujo título é “Não tenho fé suficiente para ser ateu. Os autores, antes de abordar a questão da verdade do cristianismo, abordam a questão da própria verdade, provando a existência da verdade absoluta. Tentam desmontar as afirmações do relativismo moral e da pós-modernidade, resultando em uma valiosa contribuição aos escritos contemporâneos da apologética cristã.

Para ser ateu é necessário negar o princípio da coerência e harmonia cósmica. Como imaginar que um universo tão belamente planejado seja proveniente de forças cegas da história? Como crer que a matéria entregue a si mesma, sem um ser inteligente, consiga encontrar lógica? Esta ideia nega, inclusive, a segunda lei da termodinâmica de Einstein que afirma: “Toda matéria entregue a si mesma, tende a deteriorar-se, e não organizar-se”. Pense na complexidade do corpo humano. Estima-se que apenas nos olhos existam mais de 100 mil veias. Como a geração espontânea e a matéria cega puderam organizar-se de forma tão perfeita, sem a realidade de um ser inteligente? Honestamente... eu também não tenho fé suficiente para não crer...

Quando me deparo com os limites da própria racionalidade, ou enfrento problemas e desafios maiores do que os recursos da ciência e da medicina, eu oro. Eu simplesmente não tenho fé suficiente para não orar... podem chamar este comportamento de pensamento mágico, de neurose obsessiva compulsiva, de ópio ou inconsciente coletivo, mas eu me curvo diante das impossibilidades e clamo a uma realidade transcendente que vai além da minha humanidade limitada.

O ateu não se importa com a existência de Deus. Eu, no entanto, me importo. Na minha cosmovisão, crer faz parte da natureza ontológica do homem, de sua natureza inerente, deste arquétipo divino. Portanto, creio que não há neutralidade em relação à Deus. O coração é contra Deus ou é dirigido por ele. “Pode-se negar que a existência de Deus seja demonstrável. Não se pode demonstrar que Deus não existe, disse o teólogo católico Jean-Yves Lacoste.

Por definição, o ateísmo, etmologicamente é um anti-teísmo, já que o prefixo grego “a” tem a ideia de oposição e negação. Portanto, é natural crer que o a-teu tenha uma resistência ao Sagrado. Isto também demonstra fé. Ninguém pode se opor ao nada. Se Deus não existe, porque se opor a ele? Quem brigaria e iria contra algo que não existe? Tenho percebido em alguns honestos ateus que tenho encontrado, que o problema não é filosófico, mas psicológico e emocional. O ateu tem “raiva de Deus”, não é indiferente à sua realidade, mas é opositor. Ao se opor, declara sua fé. Seria mais correto dizer: “Admito a ideia da divindade, mas não gosto desta ideia ou não gosto de Deus”.


Para MacGrath, deixar de se relacionar com Deus é deixar de ser completamente humano. Nada que não seja o próprio Deus pode esperar tomar o lugar de Deus. Quando Deus é ausente, sentimos algo indefinível de que a natureza humana nada sabe, só sabe que não o possui.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Proatividade


No Wikipedia, a palavra proatividade é definida como “o comportamento de antecipação e de responsabilização pelas próprias escolhas e ações frente às situações impostas pelo meio. Segundo Meiry Kamia, o comportamento proativo é definido como sendo um conjunto de comportamentos extrapapel em que o trabalhador busca espontaneamente por mudanças no seu ambiente de trabalho, solucionando e antecipando-se aos problemas, visando a metas de longo prazo que beneficiam a organização. Suas principais características são: (1). Busca ativa por oportunidades de mudança; (2). Planejamento e execução de ideias; (3). Enfrentamento de obstáculos.

Proatividade tem a ver com iniciativa, diligência, vontade de fazer as coisas, determinação. O contrário é indolência, acomodação e negligência. A Bíblia diz que “pela muita preguiça desaba o teto e pela frouxidão das mãos goteja a casa”.

Não é nada fácil trabalhar com pessoas que só fazem as coisas se forem mandadas ou forçadas. Elas não querem fazer ou não sabem fazer. Certa mulher ao entrevistar candidatas à doméstica em sua casa, tinha o hábito de colocar uma vassoura caída no chão na entrada da cozinha, onde ela faria a entrevista. Se a pessoa pulasse a vassoura e não se importasse em pegá-la e colocá-la num lugar mais adequado, não servia para a função.

O proativo se antecipa, percebe as necessidades, vai além da sua função, faz as coisas acontecerem.

Existe a conhecida charada de três sapos que estavam agarrados a um tronco no meio do rio. Um deles decidiu pular na água, então, quantos ficaram no tronco? Pense bem antes de responder, porque a resposta não é tão fácil quanto parece. Ficaram três, porque um apenas decidiu pular, mas não o fez. Ele apenas pensou em fazer, mas não o fez.

Esta é a realidade de muitos que decidem assumir determinadas posições, mas não o fazem. “O inferno está cheio de gente de boa intenção”, pessoas que queriam fazer mas não fizeram.  A maior parte dos erros não se dá por escolhas erradas, mas por procrastinação, indecisão, omissão e medo de errar que nos leva a não adir da condição que nos encontramos.

Provérbios 14.4 declara: “Não havendo bois, o celeiro fica limpo, mas pelo mexer dos bois há abundância de cereais”. Sem bois não há movimento, nem desordem, mas também não há produção, colheita e fartura. Um boi dá muito trabalho, mas gera riqueza, produção e colheita.
A pessoa proativa realiza, se movimenta, age. Não fica apenas observando o vento. “Quem apenas observa o vento, nunca colherá”. É necessário agir. Muito fracasso na vida advém do não tomar atitude, de não ir atrás das coisas, de não ser proativo.


Você é proativo ou está sempre procurando fazer o mínimo? Levar vantagem sem sacrifício, e ter sucesso sem trabalho? Apenas pessoas diligentes na vida são capazes de prosperar. Só colhe quem planta, e só se colhe aquilo que se plantou.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Co-dependência





Não era a primeira vez que ele apresentava estranhos comportamentos que deixavam toda a família em desequilíbrio. Ele sabia como controlar o humor da casa. Sua reação violenta aconteceu depois dos pais lhe negarem o pedido para ir a uma festa que seus pais julgaram inadequada para sua idade. Ele saiu de casa aos berros, empurrando a cadeira para o lado, entrou no seu quarto reclamando e bateu a porta, trancando-se num típico e conhecido comportamento já manifesto.

Todos sabiam que este dia e talvez os próximos dias seriam insuportáveis naquela casa. Toda vez que isto acontecia a casa ficava completamente desestabilizada, ele sabia como manipular estranhos sentimentos de culpa e raiva e os pais não sabiam como agir nestas situações. Ele era o termômetro da família.

Este é um conhecido ambiente controlado pela co-dependência.

Este termo é usado em psiquiatria para lares dominados por um membro que não apenas enfrenta uma situação de tensão, mas que afeta diretamente todo seu contexto. Pode ser alguém drogado, viciado em álcool, gênio explosivo ou amargurado, forte depressão ou tendência suicida, ou até mesmo por causa de uma longa enfermidade como uma doença crônica que exige muito tempo, atenção e cuidado. Uma pessoa com síndrome de down ou doença degenerativa pode deixar toda a família em suspense, se os demais membros não souberem como agir e não se prepararem para lidar adequadamente com os cuidados necessários em tais situações. Por isto é que em psiquiatria, quando uma pessoa é trazida para ser tratada, algumas clínicas preferem usar o termo “paciente identificado”, ao invés de colocar meramente o título “paciente”, porque eventualmente a doença é sistêmica, tem a ver com a hostilidade do ecossistema e o suposto paciente é apenas a ponta do iceberg, ele reflete toda a conflitividade da família.

“Sempre que uma criança é trazida para tratamento psiquiátrico, é habitual refere-se a ela ou ele como o “paciente identificado”. Por esse termo nós, os psicoterapeutas, queremos dizer que os pais – ou outros identificadores – rotularam a criança como o paciente – isto é, alguém que tem algo de errado e tem necessidade de tratamento. A razão de usarmos esse termos é havermos aprendidos a sermos céticos quanto à validade desse processo de identificação. Com mais frequência que não, à medida que prosseguimos com a avaliação do problema, descobrimos que a origem do problema não está na criança, mas sim em seus pais, família, escola ou sociedade. Colocando em termos mais simples, em geral descobrimos que a criança não é tão doente quanto seus pais. Embora os pais tenham identificado a criança como a pessoa necessitando de corretivo, em geral são eles, os identificadores, que tem, maior necessidade de reforma. São eles que deveriam ser os pacientes” (Peck, M. Scott – O Povo da Mentira, Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1983, pg 68)

Por isto, co-dependência é normalmente associada a pessoas que são compulsivamente dependentes de outros ou dependentes de alguma coisa (drogas, alimentação, pornografia, álcool). É sistêmico, porque relaciona-se com todo o ambiente do qual a pessoa participa.

A família do co-dependente precisa se adaptar de diferentes formas para equilibrar o comportamento embaraçoso de membros da família que apresentando disfuncionalidade ou graves neuroses. Cria-se uma espécie de acordo macabro para proteger a reputação da família perfeita. Na Bíblia temos o caso dos irmãos de José, que o venderam como escravo aos mercadores midianitas, e por anos, criaram uma farsa e um acordo impedindo que o pai soubesse da verdade – que eles eram responsáveis pelo desaparecimento do seu irmão.

Muitas vezes, na tentativa de proteger a família de escândalos, cria-se um código não falado, mas compreendido, no qual a pessoa não pode chorar, desabafar, confessar a dor para qualquer outra pessoa fora do círculo restrito em que vive, criando assim um código de regras restritas, impedindo que a pessoa possa fale de forma aberta e honesta de suas emoções, gerando repressão emocional que causa grande stress para toda casa, ou adoecendo outros. Fala-se de co-dependência também quando uma pessoa não fumante, por conviver com o fumante, passa a desenvolver doenças típicas do tabagismo, porque inalou e absorveu a nicotina e o alcatrão da pessoa ao lado.

As forças da co-dependência são fortíssimas. Uma definição possível para esta atitude é "Um comportamento emocional e espiritual que impossibilita a pessoa de expressar seus sentimentos de forma aberta, bem como de discutir seus problemas pessoais e interpessoais[1]

Muitos grupos espirituais podem desenvolver tais atitudes. Por exemplo, não se pode confessar e discutir tentações como luxúria, dúvida ou medo dentro de certas comunidades porque tais coisas são próprias de gente espiritualmente fraca. Isto traz como resultado um sentimento constante de fracasso e de vergonha oculta. As pessoas passam pela crise, mas não podem tocar nestas áreas proibidas. O conceito de tabu normalmente associa-se a atitudes como estas. Todos são proibidos de falar do tema.

Co dependentes tendem a reagir mais que tomar iniciativa. Reagem a comportamentos de pessoas dependentes, a dores, problemas e comportamento de outros, num esforço para equilibrar o sistema familiar, acobertar comportamentos e manter paz nos relacionamentos. Ainda que esta paz seja fictícia e apenas de aparência.

Co-dependentes assumem responsabilidade pela ação e emoção dos outros, frequentemente culpando a si mesmos pelo comportamento inapropriado que alguém da sua comunidade ou família venha a emitir, e frequentemente tendem a ter enorme tolerância pelo comportamento bizarro dos outros desde que isto mantenha a aparência do grupo com o qual encontra-se vinculado. Eles podem até se ferir no processo, desde que não firam outros ou que outros se firam. Encontram ainda grande dificuldade em confrontação e querem sempre ser pacificadores. Como resultado tornam-se depositários de ira reprimida e frustração.

Por exemplo: Se uma pessoa pede ajuda, mesmo que ela não possa atender irá dizer sim, e depois ficará irada consigo mesma por não ter dito não e ter aceitado a tarefa de auxiliar aquele que o procurou. Preocupam-se excessivamente com o sentimento dos outros até o ponto de se tornarem enfermas e se sacrificarem, trazendo prejuízos a si mesmos, e quando encontram alguma pessoa que consegue expressar ira, não conseguem entender como alguém pode ter o direito de ficar irado.

O exemplo fictício relatado acima demonstra como famílias podem adoecer por causa deste mecanismo patológico. Assim, quando o filho dá um espirro, a família contrai uma pneumonia ou tuberculose. A doença de um filho, ou sua atitude não convencional ou contraventora, passa a ser de toda família, que não consegue olhar o comportamento como da responsabilidade daquele que cometeu o ato. A ordem doméstica é alterada por causa da variação de humor de um de seus membros. Se ele está feliz, todo o ambiente é bom – se está deprimido, toda a casa entra em colapso.

Como lidar com conflitos desta natureza?

Para se livrar da co-dependência, é imprescindível aprender a ver o problema “de fora” e não como parte problema.

Para exemplificar isto, uso o exemplo de uma criança brincando num parque infantil e que sofre um acidente: um corte, um braço quebrado, e exige cuidados e atendimento. Se a mãe está ao lado, ela é peça fundamental para cuidar da criança e confortá-la, mas se a mãe é neurótica ou histérica, pode desmaiar, chorar ou entrar num colapso nervoso tão grande que eventualmente serão necessárias duas equipes para resolver o problema: Uma para socorrer a criança, outra para lidar com a mãe, que deixa de ser parte da solução para se tornar parte do problema.

Geralmente não existem filhos problemas, mas pais problemas. Comportamentos disfuncionais de filhos geralmente revelam a falta de estrutura emocional da casa. Em algum momento a autoridade se perdeu ou talvez nunca tenha existido. Faltou o elemento moderador para o ambiente. Isto acontece muitas vezes em casas nas quais os pais decidem se tornar psicólogo de seus filhos. Na verdade, filhos não precisam de psicólogos, mas de pais; mas na ausência efetiva do presença paterna, em geral se contrata psicólogo.

Na co-dependência, o problema se amplia. No caso da criança acidentada a mãe é um problema a mais que se insere numa situação de urgência. Ela se torna um problema adicional, porque suas emoções se “co-fundiram” (esta divisão do termo é intencional) com a dos filhos. O problema primário, o acidente da criança, pode até tornar-se menor, dependendo do grau de histeria e reação da mãe. Temos aqui aquilo que Erich Fromm chama de “simbiose incestuosa”, um dos três componentes da “síndrome do declínio”, ou tipo de caráter maligno.

 Betty e Mike

Betty Lee Esses fala de uma situação análoga a esta, experimentada em sua família[2].

Seu marido, Mike, era um pastor temperamental e exigente. Por ser sua esposa, durante muito tempo entendia que deveria poupar e protegê-lo nas suas frequentes manifestações de mau humor e ira. Ela entendia que isto era sua responsabilidade e viveu escravizada por este sentimento durante anos. Para ser efetiva na sua ajuda, leu artigos que falavam do assunto, conversou com conselheiros tentando encontrar a fórmula certa, leu manuais de casamento e respondeu a todos os questionários que encontrava, tentando ajudar seu marido.

Usou ainda todas as manobras psicológicas possíveis e mudava frequentemente a abordagem para alcançar sucesso na sua tarefa. Nada acontecia. Lia textos em revistas que falava da ira, gritaria e raiva e deixava em lugares onde ela esperava que ele tivesse acesso, porque sabia que se indicasse a leitura ele se recusaria a fazê-la, mas seu esforço era inútil, só a ajudou a perceber que geralmente os maridos são defensivos ou alheios demais ao que sua esposa espera dele ou faz.

Durante muitos anos ele vivia como se fosse um urso pardo com um espinho na pata, ou um animal acuado, e apesar de ser cristão, seu gênio era incontrolável, instável e agressivo. Ela estudou muitas teorias sobre como libertar seu marido destas trevas emocionais, mas nada funcionava. Ia à igreja, orava por ele, jejuava, mas ao voltar para casa a vida continuava como antes. Ela realmente achava que era sua responsabilidade fazer alguma coisa para resgatar seu marido.

Certa noite Mike deveria dar uma palestra numa cidade vizinha e insistiu com Betty para que fosse com ele. Ela então contratou a babá para ficar com a criança e pediu que ela chegasse meia hora antes, porque seu marido ficava furioso quando não cumpria o horário, e ela não queria correr o risco de qualquer atraso.

Apesar da recomendação, a babá não aparecia e os nervos foram ficando à flor da pele, e quando ela chegou, pediu desculpa afirmando que tivera um problema com seu carro. Betty afirma que na medida em que a babá não chegava, tanto ela quanto seu marido ficaram extremamente tensos. Ele porque não queria atrasar, e ela porque sabia como ele estava, e que a estas alturas já estava emocionalmente alterado, o seu motor emocional já havia explodido e o piloto estava girando em órbita, sem o foguete. Ele não apenas estava irritado, mas começou a verbalizar em voz alta, como era seu costume, sem nenhuma ambiguidade e educação, para que todos soubessem o que ele sentia. Você já esteve numa situação como esta?

Vendo o ambiente tenso, ela sugeriu que ele fosse embora e a deixasse. Tentou justificar-se com ele e falar com muito cuidado e serenidade, porque sabia que ele estava irado com ela, embora ela não tivesse feito nada de errado. Betty tentava trazer um pouco de razão ao marido nervoso, disse que não sabia o que havia acontecido com a babá, que tudo estava devidamente acertado, mas nada funcionava. Sua irritação só aumentava e os impropérios proferidos.

Mais uma vez tentou convencê-lo a seguir para seu compromisso, tentando ser o mais amável possível, mas ele decidira que seria assim, e assim seria, não importando com o que pudesse acontecer.

Finalmente a babá chegou, e enquanto ela dava as últimas instruções para apressadamente sair, Mike já estava com o carro ligado, acelerando impacientemente e nem sequer quis saber se a babá tinha ou não uma desculpa legítima. Betty tentava proteger seu marido para a babá, diante da sua deselegância e grosseria, mas realmente não havia como justificar seu comportamento agressivo e infantil. Ela afirma que, naquela hora, daria tudo para que Mike fosse seu filho e ela pudesse colocá-lo no colo e dar-lhe uma surra bem dada pela birra que estava fazendo.

Finalmente saíram, e ele passou a dirigir sem cuidado, rápida e agressivamente, ultrapassando irritadamente os outros carros e por um triz não se acidentaram, e naquele momento tão tenso, por mais estranho que pudesse parecer, ela começou a sentir uma enorme calma se apossar de seu coração.

Foi então que resolver quebrar o paradigma de sua dependência afetiva e decidiu “soltá-lo”, e entregá-lo realmente a Deus. Compreendeu que não precisava aceitar a responsabilidade pelo seu comportamento e não precisava tentar mudá-lo. Ele agia como um garoto mal educado e estragado, e isto nada tinha a ver com ela. Ela não tinha que responder por ele, e nem era culpada. Percebeu que nem mesmo precisava estar ao seu lado e assistir sua atitude desprezível.

Ao se aproximar de um cruzamento, tiveram que parar no sinal vermelho, e ela, calmamente saiu do carro, se despediu do marido e lhe disse: “O Senhor está me dizendo que eu não preciso mais ouvir seus impropérios e nem participar de seu mau humor, e ele quer que eu volte para casa. Boa viagem. Até logo!”, não houve alteração de voz, nem estava irada, apenas tomou esta decisão de forma consciente. E começou a andar de volta para casa.

Ela afirma que noutros tempos, se tivesse que tomar uma atitude como esta, e se conseguisse a coragem para sair do carro, teria andando atônita e às cegas pelas ruas, chorando e se sentindo miserável, porém, não naquela hora. Ela entendia que o problema do Mike era dele, e ele, e não ela, teria de resolvê-lo. Ela não era responsável pelo seu chilique e birra.

Voltou para casa rindo da bizarra situação mas sentindo-se absolutamente livre. Estava radiante por não ter que ficar encolhida, sentindo-se ameaçada e se justificando. Não sentia necessidade de acalmá-lo nem de tentar dar alguma racionalidade para suas alteradas emoções. Ele não era, em última instância, sua responsabilidade. Ela não sabia o que ele faria, se ainda continuaria sendo seu marido, ou se voltaria para casa aquela noite, e se voltasse, que reações teria, mas no fundo, ela não se importava. Não era sua responsabilidade.

Quando chegou em casa, as crianças preocupadas ficaram ao seu lado, porque notaram como o pai estava nervoso ao sair de casa, mas ela os acalmou dizendo que Deus iria cuidar dele, e os convidou a ajoelharem e orarem por ele.

Mais tarde, ao deitar-se, começou a se perguntar se ele voltaria para casa. Afinal, ele já estava nervoso antes dela sair do carro, e com sua atitude as coisas poderiam ter ficado ainda pior, mas pela primeira vez acalmou-se e entendeu que não era sua responsabilidade. Se ele voltaria ou não era problema dele e de Deus.

Sentia que estava livre da co-dependência e que Mike também estava livre. Ela se libertara de ser uma esposa/mãe, tentando criar um homem, e ele estava livre de ser um marido/filho, que podia dar birras toda vez que sofria irritações ou frustrações. Entendeu realmente, pela primeira vez, que Deus seria capaz de lidar com ele.
Ela acordou no meio da noite, quando ele deitou-se ao seu lado, com um sorriso meio constrangido. Perguntou-lhe como fora a reunião, e depois de seu pequeno relato, ele lhe perguntou porque ela havia saído do carro, e ela calmamente respondeu: Deus libertou as minhas mãos das suas, e de hoje em diante não serei mais negativa para você. Jesus me mostrou que sua reação na noite de ontem não era de minha conta, mas um assunto entre você e Deus. O único direito que eu tinha era de orar por você. Torná-lo bom ou ter comportamentos certos era responsabilidade de Deus.  

Aprendera que quando não tentamos controlar, ameaçar, justificar ou manipular os outros, nos tornamos livres e transferimos estas coisas para Deus.  


Liderança co-dependente

Durante muito tempo sofri no ministério por causa de comportamentos pecaminosos e escândalo de membros da minha comunidade. Sempre que havia um adultério, ou um casal se divorciava, ou fazia mau uso do dinheiro, era rebeldia ou se envolvia com drogas, álcool, ou uma jovem que se engravidava antes do casamento, ou era necessário intervir por saber de algum quadro de violência doméstica meu mundo se desmoronava. Cada vez que isto acontecia eu me revolvia na cama perguntando em que havia falhado como pastor, se não deveria ter sido mais atento, acompanhar aquela pessoa mais de perto, orado mais por aquela família. Sempre me sentia culpado pelo erro dos outros.

Ultimamente penso de forma diferente: Não sou parte do problema. Se possível, quero ser parte da solução. (Eventualmente nem para isto me chamam, ou porque acham que não precisam de ajuda, ou porque se sentem envergonhados de fazer confissões). Nestes casos, não é minha tarefa ser juiz ou policial tentando investigar a vida dos outros. Tenho considerado a afirmação coerente e Mário Quintana: "O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isto". 

Alguns anos atrás vi um casal idoso, massacrado pelo bizarro comportamento do filho que era líder na sua igreja local, e aos 42 anos se envolveu num escândalo público, que atingiu toda família e se tornou um conhecido na comunidade. Ao ver a tristeza dos pais, sentindo-se culpado pela atitude do filho, tentando entender o porquê de sua atitude e pecado, fiquei me perguntando se era justo que fossem tão atingidos pela sua “reputação”, mesmo sendo seu filho um homem formado e responsável por si mesmo. Até onde deveriam assumir a responsabilidade do filho? Éntendo ser natural a tristeza diante destas situações, mas sentir-se responsável pelo seu fracasso não seria uma forma “respeitável” de co-dependência?

Por que um co-dependente assume liderança? Essencialmente para cuidar dos outros. Infelizmente tal pessoa sentirá grande frustração no ministério, porque, como pastor é difícil manter sempre a paz, e algumas vezes nossas atitudes alienarão pessoas. A confrontação se torna necessária quando existe um comportamento pecaminoso, as pessoas cometem deslizes e fazem tolices e o medo de ferir e perder a aprovação dos outros pode ser demoníaco, assim como é sentir-se culpado pelo que a comunidade fez. Um co-dependente sempre se julgará errado do mal comportamento e atitudes erradas dos amigos e membros da família. Quando uma pessoa decide sair da igreja e se mudar para outra comunidade ou cai em pecado um líder co-dependete se sentirá extremamente culpado. No entanto, talvez seja esta a melhor decisão para sua vida e para a comunidade. Um colega meu chegou a falar estranhamente da "benção da exclusão". Andy Stanley afirma que determinadas pessoas são tóxicas para a comunidade, e é importante que elas saiam para que acha saúde no corpo. Um líder co-dependente vai morrer de angústia com tal pensamento. 

A tendência de sempre querer ser agradável não é também uma forma de co-dependência? Qual é a causa de nossa dor? Não seria isto uma forma patológica de dirigir uma comunidade ou de se relacionar com as pessoas?

Conclusão

Uma forma saudável de lidar com pressões é aprender a ver o problema do outro como algo que ele precisa tratar. Pais podem ajudar muito a seus filhos no caso de birras e irritabilidade. A atitude saudável ajuda aquele que erra ou precisa de cuidado, sem ter que se tornar parte do problema e adoecer com ele. Isto me parece uma forma muito positiva de ajuda-lo a superar a manipulação e enfraquecer comportamentos inadequados.

Estar perto, oferecer suporte, aconselhar, quando convidado e se necessário, é sempre uma atitude positiva. Se tornar parte do problema e adoecer juntos é neurótico. Assumir a responsabilidade pelo erro do outro revela o quanto estamos mal resolvidos enquanto seres humanos. É um grande alivio quando nos vemos não como responsáveis e parte do problema, mas agentes externos que podem ajudar aqueles que insistem em viver na sua doença e insistem em transformar todo o agradável ambiente de alegria de uma casa em um funeral.



[1] McIntosh, Gary L., & Rima, Samuel D. - Overcoming the Darkside of leadership - Grand Rapids, MI, Bakerbooks, 1997-
[2] Esses, Betty Lee – Se eu posso, tu podes. Miami, Ed. Vida, 1974, Whitaker House, pg. 21-33.