sexta-feira, 26 de maio de 2017

O Pêndulo histórico

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Platão concebia a história de forma cíclica. Para ele, a vida humana era repetitiva num desproposital ir e vir. O que hoje era a norma, amanhã poderia ser descartado. Ele via a sucessão de poderes desta forma: Anarquia, ditadura, oligarquia, democracia, anarquia, etc.. sucessivamente. Nenhum propósito, apenas ciclos repetitivos. Esta foi a visão adotada também pela filosofia existencialista.

Nietzsche falava do “eterno retorno”. O pessimista livro de Eclesiastes afirma: “geração vai, geração vem, mas a terra; mas a terra permanece para sempre... O que foi é o que há de ser, e o que se fez, isto se tornará a fazer, nada há, pois, novo, debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós” (Ec 1.4,9-10).

A visão cíclica é oposta à visão de finalidade defendida pela cosmovisão cristã. No cristianismo, a história possui propósito, pode-se falar de “começo, meio e fim”, tanto que a Bíblia inicia em Genêsis (origem, criação), e termina com Apocalipse (revelação, consumação). De um ponto de vista filosófico, possui teleos, isto é “teleologia”, finalidade.

Embora a visão cristã seja muito mais coerente e carregada de esperança, pode-se falar de um certo pêndulo histórico, que leva a sociedade a caminhar de um extremo para o outro, ora negando, ora defendendo determinados princípios.

No sistema politico, países europeus lutaram de forma sistemática pela liberdade de expressão e pela negação de qualquer dogma ou absoluto. A insatisfação social gerou um desejo pelo utopia revolucionária da esquerda. Entretanto, o que temos percebido hoje é um forte segmento social, desejando certo controle e revelando cansaço com a ausência de parâmetros morais, princípios e valores. Como resultado a direita extremista começa a ameaçar e demonstrar força.

No âmbito educacional, a herança familiar foi marcada pela repressão educacional e autoritarismo paterno. Na década de 60, uma cultura da liberdade foi buscada, gerando uma educação menos tradicional e mais livre, que depois de uns 40-50 anos volta a ser questionada pelos exageros e estranhezas que a falta de princípios gerou. O resultado: O surgimento de uma geração caprichosa, que não suporta frustração e não sabe aguardar processos... o pêndulo novamente começa a oscilar. Questiona-se hoje a validade desta abordagem e escolas e princípios mais conservadores, com disciplinas mais rígidas, voltam a ser exaltadas.

Novamente percebe-se a oscilação do pêndulo. Perigosamente saindo de um extremo para outro.
Assim acontece com a democracia. Hoje vemos nas mídias sociais grupos expressando anseios utópicos de “um tempo em que o militarismo era bom”. O mesmo no sistema educação: “uma educação mais dura e repressiva”, e na família “...o método antigo é que era bom...”


Acontece que a sabedoria nunca mora nas extremidades. Ela é marcada por equilíbrio, prudência e sensatez, quando os pêndulos não habitam estes lugares inóspitos das fronteiras, mas encontra ambiente que estabeleça a correta relação entre distintos pontos. Este lugar desejado pode ser chamado de maturidade. 

quinta-feira, 18 de maio de 2017

A obsessão pelo sucesso

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Poucas coisas são tão atraentes quanto o sucesso: atingir metas, superar-se, conquistar, ser reconhecido. O homem moderno – e talvez em todas as épocas – sempre tem sido movido pela ambição, que na sua essência, não é necessariamente ruim, mas que pode, facilmente, se transformar em cobiça, ganância e até mesmo obsessão.

Curiosamente, o insucesso pode trazer novas perspectivas e nos livrar de um desastre moral ou espiritual. Henry Ford afirmou que “o insucesso é apenas uma oportunidade para recomeçar com mais inteligência”. A obsessão pelo sucesso pode transformar-nos em seres sem consciência e sem alma, e podemos nos perder no afã de termos reconhecimento ou popularidade.

Um dos alpinistas mais conhecidos do mundo é Ed Viesturs, que escalou todos os 14 picos do Monte Everest. O que o distingue dos demais é o fato de ter alcançado os cumes sem a ajuda de um tanque de oxigênio. Imprudência nunca foi sua característica. Em 1987, quando estava a 100 metros de um cume, ele voltou. Estava sem corda para escalada e ficando escuro. Sua frase tornou-se imortal: “Chegar ao topo é opcional, mas descer é obrigatório. Muitas pessoas se concentram no cume e se esquecem desta verdade”.

Esta febre por estar no ponto mais alto certamente é a causa de muitas escaladas desastrosas. Em 10 de maio de 1996, o Everest tirou a vida de oito veteranos que conseguiram chegar ao tempo apesar de grandes obstáculos e clima hostil. Empolgados pela conquista, se esqueceram dos riscos e quando estavam descendo, uma tempestade os atingiu e todos eles morreram.

Muitas pessoas estão perdendo sua vida pela obsessão de chegar ao topo. A febre pela conquista não se aplica apenas ao montanhismo, mas a todas as áreas da vida. É fácil negociar a consciência, barganhar a fé, desprezar valores, ignorar a paz interior, quando a meta pelo poder, dinheiro e sucesso encontram-se diante do homem. O livro de Provérbios afirma: “O suborno é pedra mágica aos olhos de quem o dá” (Pv 17.8), mas sua consequência é trágica: “Suave é ao homem o pão ganho por fraude, mas depois, a sua boca se encherá de pedrinhas de areia”(Pv 20.17).

Escalar a escada do sucesso nos desnorteia. A obsessão pelo topo pode destruir. Por isto a aposentadoria significa um duro golpe para algumas pessoas, chegando a ser fatal para outras. Não necessariamente o dinheiro, mas o glamour de uma determinada posição, a mídia, o reconhecimento social. Quando chega o tempo em que temos de entregar o posto, ou nos retirarmos, devemos nos dispor a colocar tudo o que temos nas mãos de Deus, reconhecendo que foi ele quem nos deu todas as coisas.


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O que importa não é como começamos ou conquistamos, mas como terminamos.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Escolhas

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Numa conhecida canção de Renato Teixeira ouvimos o seguinte: “Cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz”. Quão importante e sério é esta afirmação.

Não é muito difícil encontrar bodes expiatórios e justificativas para nossos desacertos. Quando agimos assim, criamos um vicioso ciclo de “vitimização”: Alguém me deve algo! Pode ser minha família, meus pais, meu marido, a igreja, a sociedade, e, de forma direta, Deus. Assim nos esquecemos que nossas escolhas determinam o futuro. Todas decisões afetam a vida como um todo, e as pessoas que se encontram ao nosso redor. Sou parte de uma engrenagem e provoco mudanças que até podem ser desfeitas, mas o custo poderá ser muito alto.

Jean Paul Sartre, conhecido e controvertido existencialista afirmou: “Cada escolha carrega consigo uma responsabilidade. E cada escolha, ao ser posta em ação, provoca mudanças no mundo que não poderão ser desfeitas”. Intencionalmente cito a frase de Sartre, contrariando meu pensamento acima. As mudanças podem ou não serem desfeitas? Por entender o poder do arrependimento e da graça de Deus, quis introduzir aqui um elemento de esperança, afinal, creio que nada na existência humana, enquanto estivermos vivos, pode ter um cunho determinista e fatalista. As coisas podem mudar.

Sartre afirma ainda, “o importante não é o que o mundo faz de você, mas o que você faz com aquilo que o mundo fez de você”.

O Dr John White, livre docente de psiquiatria na Universidade de Manitoba, Canadá escreveu no seu livro As Máscaras da melancolia: “A mesma dor que faz um santo, faz um cínico. A escolha é de cada um... tenho em mim a capacidade de escolher o que vou fazer com a minha dor, seja ela qual for, posso arrastá-la comigo toda uma vida, e sentir-me a criatura mais infeliz e injustiçada do planeta; ou posso buscar outros caminhos”.

A palavra chave é atitude.

Certa vez Jesus entra num local onde se amontoavam pessoas com diferentes enfermidades, acreditando que de vez em quando, um anjo descia e tocava no tanque de água, e quem entrasse primeiro, seria curado. Jesus encontrou ali um paralítico e lhe fez uma pergunta aparentemente estranha: “Queres ser curado?” e sua resposta foi bem evasiva: “Estou aqui há 38 anos e ninguém me ajuda, não tenho ninguém que me ponha no tanque”.


Seria possível um doente não querer cura? Infelizmente sim! A doença, a tragédia, a dor, o luto, muitas vezes se transformam na justificativa e explicação que buscávamos para não mais querer viver, ou desistir da vida. Entender que há sempre novas possibilidades se abrindo diariamente para a vida, é encantador e maravilhoso. Isto nos livra do fracasso e da mediocridade.

sábado, 6 de maio de 2017

co dependencia Sentindo-se culpado pelo outro







Não era a primeira vez que ele apresentava estranhos comportamentos que deixavam toda a família em desequilíbrio. Ele sabia como controlar o humor da casa. Sua reação violenta aconteceu depois dos pais lhe negarem o pedido para ir a uma festa que seus pais julgaram inadequada para sua idade. Ele saiu de casa aos berros, empurrando a cadeira para o lado, entrou no seu quarto reclamando e bateu a porta, trancando-se num típico e conhecido comportamento já manifesto.

Todos sabiam que este dia e talvez os próximos dias seriam insuportáveis naquela casa. Toda vez que isto acontecia a casa ficava completamente desestabilizada, ele sabia como manipular estranhos sentimentos de culpa e raiva e os pais não sabiam como agir nestas situações. Ele era o termômetro da família.

Este é um conhecido ambiente controlado pela co-dependência.

Este termo é usado em psiquiatria para lares dominados por um membro que não apenas enfrenta uma situação de tensão, mas que afeta diretamente todo seu contexto. Pode ser alguém drogado, viciado em álcool, gênio explosivo ou amargurado, forte depressão ou tendência suicida, ou até mesmo por causa de uma longa enfermidade como uma doença crônica que exige muito tempo, atenção e cuidado. Uma pessoa com síndrome de down, autismo, câncer, ou doença degenerativa pode deixar toda a família em suspense, se os demais membros não souberem como agir e não se prepararem para lidar adequadamente com os cuidados necessários em tais situações. Por isto é que em psiquiatria, quando uma pessoa é trazida para ser tratada, algumas clinicas preferem usar o termo “paciente identificado”, ao invés de colocar meramente o título “paciente”, porque eventualmente a doença é sistêmica, tem a ver com a hostilidade do ecossistema e o suposto paciente é apenas a ponta do iceberg, ele reflete toda a conflitividade da família.

“Sempre que uma criança é trazida para tratamento psiquiátrico, é habitual refere-se a ela ou ele como o “paciente identificado”. Por esse termo nós, os psicoterapeutas, queremos dizer que os pais – ou outros identificadores – rotularam a criança como o paciente – isto é, alguém que tem algo de errado e tem necessidade de tratamento. A razão de usarmos esse termos é havermos aprendidos a sermos céticos quanto à validade desse processo de identificação. Com mais frequência que não, à medida que prosseguimos com a avaliação do problema, descobrimos que a origem do problema não está na criança, mas sim em seus pais, família, escola ou sociedade. Colocando em termos mais simples, em geral descobrimos que a criança não é tão doente quanto seus pais. Embora os pais tenham identificado a criança como a pessoa necessitando de corretivo, em geral são eles, os identificadores, que tem, maior necessidade de reforma. São eles que deveriam ser os pacientes” (Peck, M. Scott – O Povo da Mentira, Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1983, pg 68)

Por isto, co-dependência é normalmente associada a pessoas que são compulsivamente dependentes de outros ou dependentes de alguma coisa (drogas, alimentação, pornografia, álcool). É sistêmico, porque relaciona-se com todo o ambiente do qual a pessoa participa.

A família do co-dependente precisa se adaptar de diferentes formas para equilibrar o comportamento embaraçoso de membros da família que apresentando disfuncionalidade ou graves neuroses. Cria-se uma espécie de acordo macabro para proteger a reputação da família perfeita. Na Bíblia temos o caso dos irmãos de José, que o venderam como escravo aos mercadores midianitas, e por anos, criaram uma farsa e um acordo impedindo que o pai soubesse da verdade – que eles eram responsáveis pelo desaparecimento do seu irmão.

Muitas vezes, na tentativa de proteger a família de escândalos, cria-se um código não falado, mas compreendido, no qual a pessoa não pode chorar, desabafar, confessar a dor para qualquer outra pessoa fora do círculo restrito em que vive, criando assim um código de regras restritas, impedindo que a pessoa possa fale de forma aberta e honesta de suas emoções, gerando repressão emocional que causa grande stress para toda casa, ou adoecendo outros. Fala-se de co-dependência também quando uma pessoa não fumante, por conviver com o fumante, passa a desenvolver doenças típicas do tabagismo, porque inalou e absorveu a nicotina e o alcatrão da pessoa ao lado.

As forças da co-dependência são fortíssimas. Uma definição possível para esta atitude é "Um comportamento emocional e espiritual que impossibilita a pessoa de expressar seus sentimentos de forma aberta, bem como de discutir seus problemas pessoais e interpessoais[1]

Muitos grupos espirituais podem desenvolver tais atitudes. Por exemplo, não se pode confessar e discutir tentações como luxúria, dúvida ou medo dentro de certas comunidades porque tais coisas são próprias de gente espiritualmente fraca. Isto traz como resultado um sentimento constante de fracasso e de vergonha oculta. As pessoas passam pela crise, mas não podem tocar nestas áreas proibidas. O conceito de tabu normalmente associa-se a atitudes como estas. Todos são proibidos de falar do tema.

Co dependentes tendem a reagir mais que tomar iniciativa. Reagem a comportamentos de pessoas dependentes, a dores, problemas e comportamento de outros, num esforço para equilibrar o sistema familiar, acobertar comportamentos e manter paz nos relacionamentos. Ainda que esta paz seja fictícia e apenas de aparência.

Co-dependentes assumem responsabilidade pela ação e emoção dos outros, frequentemente culpando a si mesmos pelo comportamento inapropriado que alguém da sua comunidade ou família venha a emitir, e frequentemente tendem a ter enorme tolerância pelo comportamento bizarro dos outros desde que isto mantenha a aparência do grupo com o qual encontra-se vinculado. Eles podem até se ferir no processo, desde que não firam outros ou que outros se firam. Encontram ainda grande dificuldade em confrontação e querem sempre ser pacificadores. Como resultado tornam-se depositários de ira reprimida e frustração.

Por exemplo: Se uma pessoa pede ajuda, mesmo que ela não possa atender irá dizer sim, e depois ficar irada consigo mesma por não ter dito não e ter aceitado a tarefa de auxiliar aquele que o procurou. Preocupam-se excessivamente com o sentimento dos outros até o ponto de se tornarem enfermas e se sacrificarem, trazendo prejuízos a si mesmos, e quando encontram alguma pessoa que consegue expressar ira, não conseguem entender como alguém pode ter o direito de ficar irado.

O exemplo fictício relatado acima demonstra como famílias podem adoecer por causa deste mecanismo patológico. Assim, quando o filho dá um espirro, a família contrai uma pneumonia ou tuberculose. A doença de um filho, ou sua atitude não convencional ou contraventora, passa a ser de toda família, que não consegue olhar o comportamento como da responsabilidade daquele que cometeu o ato. A ordem doméstica é alterada por causa da variação de humor de um de seus membros. Se ele está feliz, todo o ambiente é bom – se está deprimido, toda a casa entra em colapso.

Como lidar com conflitos desta natureza?

Para se livrar da co-dependência, é imprescindível aprender a ver o problema “de fora” e não como parte problema.

Para exemplificar isto, uso o exemplo de uma criança brincando num parque infantil e que sofre um acidente: um corte, um braço quebrado, e exige cuidados e atendimento. Se a mãe está ao lado, ela é peça fundamental para cuidar da criança e confortá-la, mas se a mãe é neurótica ou histérica, pode desmaiar, chorar ou entrar num colapso nervoso tão grande que eventualmente serão necessárias duas equipes para resolver o problema: Uma para socorrer a criança, outra para lidar com a mãe, que deixa de ser parte da solução para se tornar parte do problema.

Geralmente não existem filhos problemas, mas pais problemas. Comportamentos disfuncionais de filhos geralmente revelam a falta de estrutura emocional da casa. Em algum momento a autoridade se perdeu ou talvez nunca tenha existido. Faltou o elemento moderador para o ambiente. Isto acontece muitas vezes em casas nas quais os pais decidem se tornar psicólogo de seus filhos. Na verdade, filhos não precisam de psicólogos, mas de pais; mas na ausência efetiva do presença paterna, em geral se contrata psicólogo.

Na co-dependência, o problema se amplia. No caso da criança acidentada a mãe é um problema a mais que se insere numa situação de urgência. Ela se torna um problema adicional, porque suas emoções se “co-fundiram” (esta divisão do termo é intencional) com a dos filhos. O problema primário, o acidente da criança pode até tornar-se menor, dependendo do grau de histeria e reação da mãe. Temos aqui aquilo que Erich Fromm chama de “simbiose incestuosa”, um dos três componentes da “síndrome do declínio”, ou tipo de caráter maligno.

Betty e Mike

Betty Lee Esses fala de uma situação análoga a esta, experimentada em sua família[2].

Seu marido, Mike, era um pastor temperamental e exigente. Por ser sua esposa, durante muito tempo entendia que deveria poupar e protegê-lo nas suas frequentes manifestações de mau humor e ira. Ela entendia que isto era sua responsabilidade e viveu escravizada por este sentimento durante anos. Para ser efetiva na sua ajuda, leu artigos que falavam do assunto, conversou com conselheiros tentando encontrar a fórmula certa, leu manuais de casamento e respondeu a todos os questionários que encontrava, tentando ajudar seu marido.

Usou ainda todas as manobras psicológicas possíveis e mudava frequentemente a abordagem para alcançar sucesso na sua tarefa. Nada acontecia. Lia textos em revistas que falava da ira, gritaria e raiva e deixava em lugares onde ela esperava que ele tivesse acesso, porque sabia que se indicasse a leitura ele se recusaria a fazê-la, mas seu esforço era inútil, só a ajudou a perceber que geralmente os maridos são defensivos ou alheios demais ao que sua esposa espera dele ou faz.

Durante muitos anos ele vivia como se fosse um urso pardo com um espinho na pata, ou um animal acuado, e apesar de ser cristão, seu gênio era incontrolável, instável e agressivo. Ela estudou muitas teorias sobre como libertar seu marido destas trevas emocionais, mas nada funcionava. Ia à igreja, orava por ele, jejuava, mas ao voltar para casa a vida continuava como antes. Ela realmente achava que era sua responsabilidade fazer alguma coisa para resgatar seu marido.

Certa noite Mike deveria dar uma palestra numa cidade vizinha e insistiu com Betty para que fosse com ele. Ela então contratou a babá para ficar com a criança e pediu que ela chegasse meia hora antes, porque seu marido ficava furioso quando não cumpria o horário, e ela não queria correr o risco de qualquer atraso.

Apesar da recomendação, a babá não aparecia e os nervos foram ficando à flor da pele, e quando ela chegou, pediu desculpa afirmando que tivera um problema com seu carro. Betty afirma que na medida em que a babá não chegava, tanto ela quanto seu marido ficaram extremamente tensos. Ele porque não queria atrasar, e ela porque sabia como ele estava, e que a estas alturas já estava emocionalmente alterado, o seu motor emocional já havia explodido e o piloto estava girando em órbita, sem o foguete. Ele não apenas estava irritado, mas começou a verbalizar em voz alta, como era seu costume, sem nenhuma ambiguidade e educação, para que todos soubessem o que ele sentia. Você já esteve numa situação como esta?

Vendo o ambiente tenso, ela sugeriu que ele fosse embora e a deixasse. Tentou justificar-se com ele e falar com muito cuidado e serenidade, porque sabia que ele estava irado com ela, embora ela não tivesse feito nada de errado. Betty tentava trazer um pouco de razão ao marido nervoso, disse que não sabia o que havia acontecido com a babá, que tudo estava devidamente acertado, mas nada funcionava. Sua irritação só aumentava e os impropérios proferidos.

Mais uma vez tentou convencê-lo a seguir para seu compromisso, tentando ser o mais amável possível, mas ele decidira que seria assim, e assim seria, não importando com o que pudesse acontecer.

Finalmente a babá chegou, e enquanto ela dava as últimas instruções para apressadamente sair, Mike já estava com o carro ligado, acelerando impacientemente e nem sequer quis saber se a babá tinha ou não uma desculpa legítima. Betty tentava proteger seu marido para a babá, diante da sua deselegância e grosseria, mas realmente não havia como justificar seu comportamento agressivo e infantil. Ela afirma que, naquela hora, daria tudo para que Mike fosse seu filho e ela pudesse colocá-lo no colo e dar-lhe uma surra bem dada pela birra que estava fazendo.

Finalmente saíram, e ele passou a dirigir sem cuidado, rápida e agressivamente, ultrapassando irritadamente os outros carros e por um triz não se acidentaram, e naquele momento tão tenso, por mais estranho que pudesse parecer, ela começou a sentir uma enorme calma se apossar de seu coração.

Foi então que resolver quebrar o paradigma de sua dependência afetiva e decidiu “soltá-lo”, e entregá-lo realmente a Deus. Compreendeu que não precisava aceitar a responsabilidade pelo seu comportamento e não precisava tentar mudá-lo. Ele agia como um garoto mal educado e estragado, e isto nada tinha a ver com ela. Ela não tinha que responder por ele, e nem era culpada. Percebeu que nem mesmo precisava estar ao seu lado e assistir sua atitude desprezível.

Ao se aproximar de um cruzamento, tiveram que parar no sinal vermelho, e ela, calmamente saiu do carro, se despediu do marido e lhe disse: “O Senhor está me dizendo que eu não preciso mais ouvir seus impropérios e nem participar de seu mau humor, e ele quer que eu volte para casa. Boa viagem. Até logo!”, não houve alteração de voz, nem estava irada, apenas tomou esta decisão de forma consciente. E começou a andar de volta para casa.

Ela afirma que noutros tempos, se tivesse que tomar uma atitude como esta, e se conseguisse a coragem para sair do carro, teria andando atônita e às cegas pelas ruas, chorando e se sentindo miserável, porém, não naquela hora. Ela entendia que o problema do Mike era dele, e ele, e não ela, teria de resolvê-lo. Ela não era responsável pelo seu chilique e birra.

Voltou para casa rindo da bizarra situação mas sentindo-se absolutamente livre. Estava radiante por não ter que ficar encolhida, sentindo-se ameaçada e se justificando. Não sentia necessidade de acalmá-lo nem de tentar dar alguma racionalidade para suas alteradas emoções. Ele não era, em última instância, sua responsabilidade. Ela não sabia o que ele faria, se ainda continuaria sendo seu marido, ou se voltaria para casa aquela noite, e se voltasse, que reações teria, mas no fundo, ela não se importava. Não era sua responsabilidade.

Quando chegou em casa, as crianças preocupadas ficaram ao seu lado, porque notaram como o pai estava nervoso ao sair de casa, mas ela os acalmou dizendo que Deus iria cuidar dele, e os convidou a ajoelharem e orarem por ele.

Mais tarde, ao deitar-se, começou a se perguntar se ele voltaria para casa. Afinal, ele já estava nervoso antes dela sair do carro, e com sua atitude as coisas poderiam ter ficado ainda pior, mas pela primeira vez acalmou-se e entendeu que não era sua responsabilidade. Se ele voltaria ou não era problema dele e de Deus.

Sentia que estava livre da co-dependência e que Mike também estava livre. Ela se libertara de ser uma esposa/mãe, tentando criar um homem, e ele estava livre de ser um marido/filho, que podia dar birras toda vez que sofria irritações ou frustrações. Entendeu realmente, pela primeira vez, que Deus seria capaz de lidar com ele.

Ela acordou no meio da noite, quando ele deitou-se ao seu lado, com um sorriso meio constrangido. Perguntou-lhe como fora a reunião, e depois de seu pequeno relato, ele lhe perguntou porque ela havia saído do carro, e ela calmamente respondeu: Deus libertou as minhas mãos das suas, e de hoje em diante não serei mais negativa para você. Jesus me mostrou que sua reação na noite de ontem não era de minha conta, mas um assunto entre você e Deus. O único direito que eu tinha era de orar por você. Torná-lo bom ou ter comportamentos certos era responsabilidade de Deus.  

Aprendera que quando não tentamos controlar, ameaçar, justificar ou manipular os outros, nos tornamos livres e transferimos estas coisas para Deus.  

Liderança co-dependente

Durante muito tempo sofri no ministério por causa de comportamentos pecaminosos e escândalo de membros da minha comunidade. Sempre que havia um adultério, ou um casal se divorciava, ou fazia mau uso do dinheiro, ou um adolescente agia de forma rebelde ou se envolvia com drogas, álcool, ou uma jovem se engravidava antes do casamento, ou era necessário intervir em situações de violência doméstica meu mundo se desmoronava. Cada vez que isto acontecia eu me revolvia na cama perguntando em que havia falhado como pastor, se não deveria ter sido mais atento, acompanhar aquela pessoa mais de perto, orado mais por aquela família. Sempre me sentia culpado pelo erro dos outros.

Ultimamente penso de forma diferente: Não sou parte do problema. Se possível, quero ser parte da solução. (Eventualmente nem para isto me chamam, ou porque acham que não precisam de ajuda, ou porque se sentem envergonhados de fazer confissões). Nestes casos, não é minha tarefa ser juiz ou policial tentando investigar a vida dos outros.

Alguns anos atrás vi um casal idoso, massacrado pelo bizarro comportamento do filho que era líder na sua igreja local, e aos 42 anos se envolveu num pecado público, que atingiu toda família e se tornou um escândalo na comunidade. Ao ver a tristeza dos pais, sentindo-se culpados pela atitude do filho, tentando entender o porquê de sua atitude e pecado, fiquei me perguntando se era justo que fossem tão atingidos pela sua “reputação”, mesmo sendo seu filho um homem formado e responsável por si mesmo. Até onde deveriam assumir a responsabilidade do filho? Entendo ser natural a tristeza diante destas situações, mas sentir-se responsável pelo seu fracasso não seria uma forma “respeitável” de co-dependência?

Por que um co-dependente assume liderança? Essencialmente para cuidar dos outros. Infelizmente tal pessoa sentirá grande frustração no ministério, porque, como pastor é difícil manter sempre a paz, e algumas vezes nossas atitudes alienarão pessoas. A confrontação se torna necessária quando existe um comportamento pecaminoso, as pessoas cometem deslizes e fazem tolices e o medo de ferir e perder a aprovação dos outros pode ser demoníaco, assim como é sentir-se culpado pelo que a comunidade fez. Um co-dependente sempre se julgará errado do mal comportamento e atitudes erradas dos amigos e membros da família. Quando uma pessoa decide sair da igreja e se mudar para outra comunidade ou cai em pecado um líder co-dependente se sentirá extremamente culpado.

A tendência de sempre querer ser agradável não é também uma forma de co-dependência? Qual é a causa de nossa dor? Não seria isto uma forma patológica de dirigir uma comunidade ou de se relacionar com as pessoas?

Conclusão

Uma forma saudável de lidar com pressões é aprender a ver o problema do outro como algo que ele precisa tratar. Pais podem ajudar muito a seus filhos no caso de birras e irritabilidade. A atitude saudável ajuda aquele que erra ou precisa de cuidado, sem ter que se tornar parte do problema e adoecer com ele. Isto me parece uma forma muito positiva de ajuda-lo a superar a manipulação e enfraquecer comportamentos inadequados.

Estar perto, oferecer suporte, aconselhar, quando convidado e se necessário, é sempre uma atitude positiva. Se tornar parte do problema e adoecer juntos é neurótico. Assumir a responsabilidade pelo erro do outro revela o quanto estamos mal resolvidos enquanto ser humano. É um grande alivio quando nos vemos não como responsáveis e parte do problema, mas agentes externos que podem ajudar aqueles que insistem em viver na sua doença e insistem em transformar todo o agradável ambiente de alegria de uma casa em um funeral.

Sempre lembrando: Somos parte da solução, não do problema!



[1] McIntosh, Gary L., & Rima, Samuel D. - Overcoming the Darkside of leadership - Grand Rapids, MI, Bakerbooks, 1997-

[2] Esses, Betty Lee – Se eu posso, tu podes. Miami, Ed. Vida, 1974, Whitaker House, pg. 21-33.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Fracasso

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Li recentemente um livro no qual o autor afirmava que aos 19 anos de idade foi reprovado nas duas primeiras vezes que fez o exame de volante para tirar sua carteira de motorista, e que ficou tão desanimado e envergonhado, que nos próximos 10 anos não quis tentar novamente. Ele se sentia inseguro e com medo, e por isto, aos 30 anos tentou novamente, e mais uma vez foi reprovado. Ele conta que só conseguiu ser aprovado após cinco tentativas.

Mas o ponto mais doloroso da questão foi o impacto que isto gerou sobre sua vida. O fracasso certamente deixa um efeito danoso sobre nós, e pode nos fazer duvidar da habilidade de sermos bem sucedido. Uma série de falhas, então, só corrobora para que nossos temores e dúvidas se confirmem e eventualmente gerem um sentimento de completo desânimo.

O sentimento de fracasso torna-se ainda mais destrutivo quando nos comparamos aos outros. É sempre assim. Se pensarmos que somos melhores, nos tornamos orgulhosos; se pensarmos que somos piores nos tornamos inferiorizados e amargos.

Para encerrar uma etapa de fracasso, precisamos saber o que fazer para que não caiamos de novo. O fracasso vem de diferentes formas. Pode ser resultado da auto confiança exagerada que nos leva a não nos prepararmos bem para os testes que enfrentaremos, pode ser resultante de uma baixa auto-estima, que nos leva a pensar que somos incapazes, pode ser resultado de experiências anteriores de frustrações e tropeços.

Podemos falhar como amigos, pais, filhos ou espiritualmente diante de Deus.
É bom considerar, contudo, que o fracasso muitas vezes é o ponto de grandes mudanças. Ele pode gerar humildade, nos levar a observar as coisas por outros ângulos, a perceber novas oportunidades. Eventualmente precisamos ser perdoados quanto falhamos, e neste sentido é maravilhoso entender que Deus é perdoador.

Dois termos frequentes na Bíblia tem relação direta com o fracasso: graça e misericórdia.

Por definição, graça significa que Deus dá o que não merecemos; e na misericórdia, Deus deixa de dar o que merecemos. Muitas vezes nossos fracassos mereceriam juízo severo, disciplina e punição de Deus, mesmo assim ele nos perdoa e nos levanta. Isto é misericórdia!

Outras vezes, vemos que nada merecíamos, pois tropeçamos, tomamos decisões equivocadas, e fizemos coisas erradas, apesar disto, Deus dá novas oportunidades e abre caminhos, mesmo quando nada merecemos – e de fato, não merecemos. Se merecemos algo, trata-se de mérito, e não da graça. Graça se revela quando não há mérito.

Todos fracassamos em algum ponto, mas nossa vida não precisa se limitar ao erro que cometemos. Sempre há possibilidade de se levantar e tentar novamente. Em Deus sempre encontramos novas oportunidades. Isto é maravilhoso!