segunda-feira, 27 de julho de 2015

Teologia da Cidade



Por muito tempo a igreja se silenciou acerca da cidade. Questões modernas como infra estrutura, violência, saúde, economia pareciam habitar outro andar, com o qual a espiritualidade não se comunicava. No entanto, de 40 anos para cá, muitos autores se propuseram a pensar a cidade a partir da Bíblia. Será que as Escrituras falam deste assunto? A igreja tem algo a dizer sobre isto?   
Um teólogo católico, José Comblin levantou uma interessante questão: “O que está por detrás do silêncio teológico?” E a partir desta pergunta tentou fazer o que chama de Teologia da Cidade. Uma das respostas que encontrou é que a Igreja seguiu uma hermenêutica rural, e não soube interpretar os fenômenos modernos. Para Comblin “A igreja é chamada a assumir a sociedade urbana não por oportunismo religioso, mas por vocação (…) Seu papel consiste em criar o povo de Deus a partir do povo da cidade”.

O problema é que temos vivido na cidade com sociologia e ferramentas urbanas, mas com uma teologia rural e temos o desafio de refletir uma teologia tão grande quanto a própria cidade, tão urbana quanto a sociologia.

Por que fazer uma teologia da cidade? Janice Perlman, urbanista americana afirmou que a vida do campo é uma utopia e que as metrópoles são fundamentais para o avanço da civilização, porque este ambiente, é propício à criatividade e torna as metrópoles fascinantes. Mais do que nunca torna-se necessário traduzir o cristianismo para a cidade. O homem da cidade é secularizado, favorecendo um movimento espontâneo de politeísmo e de personalismo religioso. Estudar a Bíblia pensando na cidade, capacita-nos a ler de forma correta o mundo contemporâneo que na sua origem é urbana.

Pela primeira vez na história, a população da cidade é maior que da zona rural; 94% da população do Canadá e dos EUA vivem nas cidades; 82% da população dos Europeus vivem nas cidades, e entre 1975/2000, o crescimento urbano foi de 216%, na América Latina.

Os problemas mais comuns são a falta de infra-estrutura. Para se ter uma ideia, a cidade do México estava crescendo a uma taxa anual de 0.5 milhões. Como pensar em rede de esgoto, escolas, pavimentação e saúde para um contingente tão grande de migração humana? A Igreja precisa se envolver no acolhimento dos pobres e na discussão sobre meio ambiente, sustentabilidade e emprego.

Um outro aspecto que surpreendeu os estudiosos foi a constatação de que a Bíblia é um livro urbano já que há uma presença marcante das cidades. Ur dos caldeus, onde nasceu Abrão, tinha 250 mil habitantes. Em Éfeso havia iluminação pública na famosa Rua Arcádia; Nos tempos bíblicos, Roma tinha mais de um milhão de habitantes, congestionamento de tráfico, carros foram proibidos de andar durante o dia; ricos viviam em mansões isoladas e a classe média em sofisticados apartamentos de até 10 andares de altura. Já pensaram nisto?

Onde moravam os personagens bíblicos? Davi e Isaías em Jerusalém; Daniel, na Babilônia; Paulo exerceu sua atividade missionária em grandes cidades como Corinto, Filipos, Éfeso e Roma.  No entanto, as principais formulações teológicas se deram, na Zona rural. Quando Calvino escreveu as institutas, Genebra tinha apenas 16 mil habitantes. Tomás de Aquino viveu em cidade pequena, com grave distorção da distribuição de renda, mas como poucos desafios modernos como os que enfrentamos.

A cidade precisa estar presente na nossa reflexão, porque apesar de ser o objeto do amor de Deus, como Jesus expressou por Jerusalém, ela tem a capacidade de abrigar a maldade revelada em realidades como a desumanização (política de opressão); exploração dos pobres; rejeição a Deus, deificação do poder e da riqueza. Ao refletir sobre a questão urbana, a igreja busca atenuar estas manifestações das trevas e minimizar o sofrimento humano, dando sinais da graça de Deus e de sua presença entre os homens. 

Por isto, a função da cidade é, em primeiro lugar, de ordem profética, ou melhor, de ordem mística. A política prepara e executa projetos; administra e impõe os projetos. Mas a profecia desperta as almas, inspira os chefes e convence as massas. É a profecia que move as energias humanas, obriga os homens a superar-se de certo modo a si mesmos. A igreja precisa refletir sobre a cidade para abençoá-la. Onde houver sinais dos reino de Deus, a igreja de Cristo deve ser a primeira a estar presente.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Plutão deixou de ser planeta

Quem tem mais de 20 anos, aprendeu nos bancos de escolas, que Plutão era um dos planetas do sistema solar. Pois bem, se você aprendeu assim, pode “desaprender”. O planeta Plutão foi descoberto em 1930, pelo astrônomo norte-americano Clyde Tombaugh e ficou conhecido como o menor, mais frio e distante planeta do Sol. Por causa de uma reclassificação da União Astronômica Internacional (UAI), no dia 24 de Agosto de 2006, este planeta perdeu seu status anterior, e se tornou um “planeta-anão”. De acordo com as novas regras, um planeta deve satisfazer três critérios: deve orbitar o sol, deve ser grande o suficiente para a gravidade moldá-lo dentro da forma de uma bola e sua vizinhança orbital deve estar livre de outros objetos. Plutão não atende a estes requisitos.

Outro dado interessante é que depois de nove anos de viagem à velocidade de 52.800 mil km/hora, a espaçonave New Horizons, da Nasa, chegou a Plutão e fará observações científicas precisas nas proximidades desse gélido planeta-anão. Plutão é muito frio e sua menor temperatura pode chegar a menos 230 graus Celsius. A gravidade nesse planeta-anão equivale a 1/15 da gravidade terrestre, por isto, um ser humano que pese 100 kg na Terra pesará apenas 6,66 kg em Plutão.

Na verdade, Plutão não deixou de ser o que sempre foi, ele apenas recebeu da parte dos pesquisadores, outra nomenclatura. Ele continua sendo o que era, mas deixou de ser aquilo que diziam dele. Esta constatação científica não mudou sua essência, mas alterou sua definição, aquilo que falavam dele.

Creio que isto se parece com a humanidade. Não somos aquilo que falam de nós, mas aquilo que somos de fato. Alguém afirmou que reputação é o que dizem a nosso respeito; caráter é aquilo que de fato somos. A melhor maneira de saber a verdadeira natureza de homem é quando a luz se apaga, e ninguém o observa. Caráter é o que somos na vida privada, sem holofotes.

Nesta semana li um artigo que dizia: “Ultimamente estou igual plutão, frio, distante e solitário.” Certamente o autor não elaborou uma boa definição acerca de si mesmo, mas esta auto percepção pode refletir o estado de alma ou um momento de vida. Certa pessoa com o estado de humor alterado, afirmou que estava ficando velho e se tornando cínico, cético e grosso.

Envelhecer ranzinza conduz inexoravelmente para a síndrome de plutão. É fácil se isolar, se tornar insensível, sentir-se alijado e discriminado, não ter amigos, enfrentar o frio na alma e a solidão de espírito. Mas viver assim é uma decisão, ou, quem sabe, a decisão de não decidir por uma vida de doação, aproximação, calor e amizade. Afinal, nossa decisão determina o estilo de vida que teremos, e o que somos e fazemos. Talvez seja melhor afirmar como o poeta: “Medo, eu não te escuto mais, aonde tenha sol, é prá lá que eu vou!” 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Impressões do Araguaia


No final do mês de junho, ao lado de um casal querido dos Estados Unidos e minha esposa, fomos para a pousada Água Branca, no município de Formoso do Araguaia, e às margens deste rio encantador, passamos três dias de descanso, pescaria, boa comida e risadas.

A estrada está num excelente estado de manutenção, e mesmo os 50 KM, de estrada de terra, estavam muito bem conservadas, até o porto Fio de Velasco, de onde subimos mais uma hora e meia de barco para a pousada.

O Rio Araguaia continua exuberante. E para minha surpresa, muito bem mantido. Vi pouca sujeira nas suas margens, a natureza está muito em preservada, a pescaria esportiva é praticada, e os pirangueiros, que nos levavam para pescar, cuidavam muito bem dos peixes apanhados, lutando pela sua preservação, e o lixo produzido dentro dos barcos, como papéis, plásticos, latas e garrafas de refrigerante eram cuidadosamente guardado e colocados em lugar adequado.

Da parte dos pescadores e turistas, há também um grande cuidado em não estragar nada, em preservar a natureza. Por força de lei, no Estado de Goiás, até o final de 2016, nenhum pescado pode ser trazido, podendo apenas ser consumido na beira do rio, e isto amplia grandemente a chance de termos peixe em grande abundância na região, nos próximos anos. Com o Estado e os cidadãos cuidando, haverá sempre um equilíbrio sustentável para a região.

Quando contemplo a natureza, e olho a beleza daquilo que Deus criou, lembro-me da ordem dada por Deus no Éden, ao dar instrução ao homem e à mulher para que guardassem, cuidassem e mantivessem o jardim. Portanto, trata-se de um mandato cultural e ecológico, que faz parte da ordem e design da criação. Deus se preocupa com sua criação e orienta o homem a agir de forma responsável no contato com a natureza. Quebrar este princípio é ferir, no seu fundamento, o propósito dado por Deus ao ser humano.

Ecologia não é modismo, faz parte do projeto da criação. Igreja, sociedade e família devem ensinar isto à próxima geração, e nós, os mais velhos, precisamos dar exemplo de cuidado. Acredito que a nova geração, felizmente, possua uma consciência mais clara do que nós mesmos, em relação ao cuidado e proteção da natureza. É conhecido de todos que boa parte dos que se dirigiam ao Araguaia e seus afluentes, alguns anos atrás, traziam quantidades imensas de peixes, eram implacáveis e destrutivos com as matas e cerrados, não cuidavam bem do lixo que produziam, mas hoje é possível perceber uma nova consciência de cidadania que tem mudado sensivelmente esta tendência destrutiva.


Cuidar da natureza, antes de ser um ato cívico e moral, ou um ato de cidadania, precisa se tornar uma questão teológica, ligada à fé e a espiritualidade. Deus criou a natureza para ser preservada. Quatro ordens relacionadas à natureza foram dadas por Deus ao homem, no livro de Gênesis: (a)- O homem deveria sujeitar a terra; (b)- Deveria dominá-la; (c)- deveria cultivá-la; (d)- Deveria guardá-la (Gn 1.28; Gn 2.15). A ordem de sujeitar e dominar a terra, não pode ser dissociada das outras duas ordens dadas: De cultivá-la e guardá-la. Deixar de cuidar da natureza não é apenas um crime, mas quebra de um princípio de Deus. 

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Correndo, porém mortos


O conferencista Wayne Cordeiro relatou que fazia sua rotina semanal de atividades físicas correndo no parque, quando de repente foi tomado por uma estranha sensação de morte e angústia, sentou-se no meio fio com taquicardia e sudorese, e descontrolado começou a chorar. Algumas pessoas pararam para ajudá-lo, pensando se tratar de um ataque cardíaco, ele foi levado de ambulância para o pronto socorro, e o médico diagnosticou um “ataque de ansiedade”.

O médico explicou-lhe que isto acontece quando os níveis de serotonina (endorfina), hormônios do prazer e da alegria, são substituídos pela adrenalina, que gera excitação e medo, e que provoca três problemas, que são gradativos e atuam quando o corpo está em estresse. O primeiro, é o ataque de ansiedade; o segundo, as emoções entram em frangalho; a terceira, colapso nervoso.

Tentando ajudá-lo o médico ainda demonstrou que existe uma espécie de “tanque emocional”, que muitas vezes se esvazia, sem que percebamos. Há fatores que enchem este tanque, dão sensação de bem estar e são restauradores, mas existem outros fatores que esvaziam. É necessário identificar aquilo que pode nos ajudar a encher e evitar aquilo que esvazia.

Um caminho para identificar estes fatores, é fazer uma lista daquilo que restaura as emoções. Pegue uma folha de papel e escreva algumas coisas que trazem equilíbrio. Pode ser o tempo de lazer com os filhos ou amigos, ir ao cinema, fazer trilhas, caminhar, ler um livro, ouvir uma boa música, meditação e oração, ir à igreja... Pergunte a si mesmo o que ajuda a restabelecer o seu nível de serotonina?


Em seguida, enumere aquilo que “esvazia” seu tanque emocional. O que tem levado você ao estresse? Dá para fugir destes fatores ou evitá-los? Enumere alguns destes aspectos que podem estar roubando sua energia e alegria: excesso de atividades, desavenças em casa, relacionamentos prejudicados no trabalho, exigências sociais? Estes e muitos outros fatores podem estar prejudicando seu desenvolvimento psicológico e esvaziando seu coração de alegria.

Um grupo de amigos resolveu visitar um missionário que trabalhava na selva. Para fazer a longa trilha de 4 dias de caminhada, contrataram um guia e carregadores. No primeiro e segundo dia, puderam desenvolver muito bem a jornada, mas no terceiro dia, os carregadores se recusavam a levantar. O guia então explicou que eles tinham andado depressa demais nos dois primeiros dias, e que estavam esperando a alma que tinha ficado para trás.

Esta é uma boa ilustração de como podemos estar perdendo nossa alma na agitação do coração, na correria atrás de futilidades, desesperado por reconhecimento, aclamação pública, apreciação, e mesmo quando percebemos a alma e o tanque emocional vazios, ao invés de refletirmos sobre a triste situação, queremos continuar correndo, ainda que espiritual e emocionalmente estejamos morrendo.
Alguém definiu o fanático como sendo uma pessoa que vendo-se perdido, imprime ainda maior velocidade. Lamentavelmente corremos demais, estamos agitados demais, e precisamos ouvir Jesus dizendo o mesmo que falou a Marta. “Andas inquieta e agitada demais com muita coisa, Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada”. O que sua irmã Maria havia escolhido? Assentar-se aos seus pés, descansar a alma, recompor o tanque emocional, resgatar a vida.


E você? 
Agitado e correndo demais, mas com o tanque vazio e a alma sendo deixada para trás?

Impressões de Tucuruí


A convite do Luciano Gomes (zooflora), estive uma semana no Pará, na cidade de Marabá, visitando a fazenda, e depois, indo para Jacundá-PA e dali para a beira da Represa Tucuruí, na Vila de Santa Rosa que fica a de 30 KM da cidade. Ficamos na Toca do Tucunaré, uma belíssima estrutura encravada numa ilha, e que faria jus ao nome, se a pescaria na região não fosse tão predatória. Por dois dias, jogando linhada durante o período da manhã, conseguimos pegar apenas 2 piranhas e 1 tucunaré. Os moradores locais afirmam que infelizmente os próprios pescadores, que dependem do dinheiro da pescaria, praticam indiscriminadamente a pesca, inclusive em épocas de piracema, quando os peixes estão desovando. O resultado é catastrófico a médio prazo, e o número de peixe tem caído sistematicamente pela ausência de consciência dos ribeirinhos, falta de fiscalização ou a corrupção dos fiscais. 

Foi bom conviver com pessoas simples, conversar com elas, ouvir suas histórias.
Tive oportunidade de conversar longamente com uma viúva, mãe de 8 filhos, que perdeu seu marido oito meses atrás. Ela anda muito triste desde então, seus filhos dependem da pesca, que não anda bem, e ela vive no barco com eles, repartindo o pequeno espaço com as noras que também passaram a viver no barco. A saudade do marido que morreu em seus braços tem sido muito grande e a vida se tornou muito pesada desde então. Apesar de estar com 57 anos, parece ter 70. Tive oportunidade de encorajar sua vida, estimular e animá-la um pouco.

Uma coisa surpreendente para mim foi a quantidade de orquídeas e bromélias que se alojam no tronco seco das árvores onde outrora era a selva amazônica e agora é o lago. As árvores secas se parecem um cemitério da floresta, e de fato esta é a realidade. No entanto, passarinhos levam as sementes que brotam naqueles tocos e revelam o poder da vida naquele cenário de morte. É a natureza insistindo em viver, a despeito de agressão e violência sofrida. É surpreendente a quantidade e diversidade destas orquídeas, algumas com lindas flores desabrochando. A natureza se renova, dentro de suas possibilidades.


Tive oportunidade de tirar foto ao lado de árvores que precisam de 8 homens de braços abertos para abraçá-las. Descansar e pescar em rios de águas correntes e límpidas, comer carnes especiais e muito peixe. Rir e orar bastante, considerar uma porção de coisas que só somos capazes de refletir quando paramos o relógio sem termos a adrenalina da agenda, sem sofrer a crise de abstinência da internet. 

Por isto, o Lago de Tucuruí, neste recanto silencioso e inóspito em que estive, me trouxe lembranças perenes, dos mergulhos nestas águas mornas do lado de baixo do Equador e de gente amiga com quem convivi, e dos novos amigos que encontrei.