quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Geração Millenium



Uma entrevista de Simon Sinek, autor e conferencista britânico, sobre a geração Millenium (ou milenial), provocou muitas reações a favor e contra. Embora suas afirmações sejam realmente controvertidas, não deixam de nos ajudar a entender um pouco da geração atual.

O ponto de partida de sua discussão é a seguinte: Os líderes estão perguntando aos milenials: O que vocês querem? E para Sinek, existem quatro áreas que merecem atenção: criação familiar, tecnologia, impaciência e ambiente.

Quanto à criação esta geração escutou o tempo todo que era especial e que podia ter o que quisesse na vida. Só porque queria! Algumas crianças ganharam medalhas até mesmo por chegar em último lugar, porque não podiam se sentir mal. Então, quando terminam a universidade, entram no mercado de trabalho e no mundo real e instantaneamente descobrem que não tem nada de especial e suas mãezinhas não vão dar-lhes nenhuma promoção no trabalho e que não se ganha nada por chegar em último e, aliás, não terá o que deseja somente porque quer, e assim as suas auto-imagens são destruídas, e cria-se uma geração inteira que crescendo com auto-estima muito menor que gerações anteriores.

Quanto à tecnologia, esta geração está crescendo no mundo do Facebook e Instagram, e por isto é boa para colocar filtros nas coisas, e em mostrar às pessoas que a vida é uma maravilha! Mesmo que esteja deprimida, dá  impressão que é forte e que sabe o que fazer, mas na realidade não há tanta força assim e a maioria não sabe o que está fazendo e pro resolver este dilema, resolve adicionar tecnologia... conta as curtidas, fica olhando o celular e se seu Instagram está parado pensa que fez algo errado e “ninguém gosta mais de mim”.  Há  basicamente uma geração inteira que tem acesso a um entorpecente viciante pelo hormônio dopamina através de redes sociais e celulares sem qualquer laço profundo que ajude a atravessar estresse e adversidades. Amaioria admite que muitas das amizades são superficiais, não conta nem confia nos amigos. Não há relações profundas, por isto, passa mais tempo no Facebook e é mais suscetíveis à depressão.

Sinek ainda afirma que se acordamos de manhã e antes de dizer bom dia para a pessoa ao lado, a primeira reação for acessar o celular, é porque estamos viciados, e como todo vício, vai destruir relações, tomar tempo, custar dinheiro e tornar a vida pior! Ele vê nisto a razão de existir toda uma geração crescendo com baixa auto-estima, sem mecanismos para lidar com estresse.

Outro aspecto abordado por ele é o senso de impaciência. Esta geração cresceu num mundo de gratificação instantânea.  Sequer comprar algo, vai na Amazon e chega no dia seguinte. Quer assistir um filme, faz o login e o assiste. Não há necessidade de esperar semanas. Recompensa instantânea... não precisa aprender habilidades sociais. Tudo que quer... recompensa instantânea... exceto, satisfação no trabalho e carência de relações humanas fortes, porque não há aplicativo para isso.

Para Sinek, esta geração tem que aprender a ter paciência com coisas que realmente importam... como amor e realização no trabalho, prazer e amor à vida, auto-confiança,  habilidade... todas essas coisas tomam tempo e algumas vezes é possível agilizar algumas partes mas a viagem toda é árdua, longa e difícil e se  não pedir ajuda vai cair da montanha, e no pior caso, pensar em suicídio. Por isto percebe-se um aumento de overdoses de ácido e drogas e mais jovens pedindo licença ou mesmo abandonando as escolas por causa da depressão.

Se este tema lhe interessar, recomendo que assista o vídeo deste autor. Sua palestra é vibrante, instigante e provocativa e está disponível no youtube. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O Fim da memória

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Este é o título do subversivo livro de Miroslav Volf, celebrado professor em Yale, sobre sua trajetória pessoal e os embates que ele duramente teve que experimentar.

Volf foi convocado para o serviço militar compulsório do seu país, a Iugoslávia comunista, deixando para trás sua mulher grávida e tendo que abandonar sua tese de doutorado para viver um ano na base militar de Mostar, dividindo um aposento com quarenta soldados e comendo gulache frio com a carne cozida às 5h no café da manhã. O grande desafio dele, contudo, não estaria na escassez e privação, mas nos interrogatórios a que seria submetido.

Ele era casado com uma cidadã americana, que aos olhos de seus comandantes era potencialmente uma espiã da CIA; era filho de um pastor que os comunistas quase haviam eliminado como inimigo depois da segunda guerra mundial; e era teólogo. Por estas razões a polícia secreta suspeitava que ele fosse um insubordinado e por isto o importunava com regularidade e o submetia diariamente a longos interrogatórios.

Um dos seus maiores algozes era o Capitão G., e com o passar dos anos de constantes interrogatórios, Volf passou a desenvolver por ele uma raiva fria, permanente, que nem mesmo a vingança poderia alterar. Mas percebeu, de um modo mais inconsciente que consciente, que se cedesse àquilo que sentia, não estaria respondendo como um ser humano livre, mas reagindo como um animal ferido.

No seu livro ele se propõe a trabalhar “a memória da maldade sofrida por alguém que não deseja nem odiar nem ignorar, mas sim amar o malfeitor”. Para ele, a questão central não era saber se devia lembrar, já que, com certeza se lembraria dos eventos massacrantes a que fora submetido, mas como lembrar corretamente.

Uma de suas teses principais é que o mal precisa ser alimentado para que se perpetue. Quando o mal é praticado, a tendência imediata é reagirmos com mal, e assim a maldade se retroalimenta, já que é reforçada. Desta forma, entramos numa espiral do mal para combater o mal, sem perceber que ele se transforma num ciclo maligno que exigirá doses e reações cada vez maiores. Para o mal acabar, num determinado momento, alguém precisa interromper seu poder e agir com benignidade. Quando se tenta combater o mal como o mal, ele se fortalece e se potencializa.

O mal perde seu poder quando seu poderio bélico deixa de ser empregado, quando se pratica o bem e exerce o perdão. Assim como o maligno é combatido com o Divino, o mal é combatido com o bem.


A Bíblia diz: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”. Jesus é o modelo maior de como o mal pode ser vencido. Ele assumiu o mal em si mesmo, e decidiu não reproduzi-lo ou perpetuá-lo, antes, ao ser crucificado, clama a Deus: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Ali o mal foi estancado. O mesmo acontece quando o perdão é liberado. Ele desestrutura o mal e não permite que ele seja propagado e difundido. O perdão interrompe o mal, e sem combustível, ele perde sua força e poder destrutivo.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Aquietar e inquietar

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A vida exige de nós uma justaposição entre aquietar e inquietar...
Muitas vezes precisamos aquietar o coração, que se torna agitado demais, triste demais, angustiado demais. O medo e a ansiedade podem nos consumir muito mais rápido do que imaginamos. Muitos estão preocupados com a saúde física e o corpo, e certamente precisamos da alimentação adequada e cuidados físicos, contudo o nível de stress e adrenalina podem ser mais danosos que um sanduíche suculento ou vida sedentária que aos poucos e silenciosamente vão nos destruindo de dentro para fora. Pessoas engolidas pela culpa, angústia, ansiedade, insegurança quanto ao futuro e o medo das más notícias podem desenvolver sérias complicações psicossomáticas, infarto e câncer. Certo oncologista famoso costuma perguntar aos seus clientes: “por que você precisa deste câncer?”. Ele drasticamente afirma que “câncer é mágoa”.
Precisamos encontrar espaço para a serenidade e paz, trazer a vida para o centro, descansar, equilibrar os polos das exigências sociais, lazer e espiritualidade. A alma precisa de sossego para refletir, meditar, descansar. É necessário trégua, baixar as armas.
“Ecossistema” é uma palavra que vem do grego “oikos” e tem a ver com a condição de sustentabilidade que um organismo vivo precisa para a sobrevivência. Quando o sistema sofre alterações significativas, ou dramáticas mudanças danifica o equilíbrio e gera a fragmentação na ordem da natureza.
Por outro lado, precisamos paradoxalmente de inquietação.
É fácil nos acomodarmos com hábitos e comportamentos ruins, que precisam sofrer certa ruptura para que uma nova ordem seja estabelecida. Perguntaram a um mestre de espiritualidade qual a coisa mais importante da vida e sua resposta surpreendeu a todos: “bagunça!”. Ele justificou sua resposta dizendo que o caos pode ser o fator propulsor para grandes e novas oportunidades.
Precisamos ser inquietados quanto à nossa indolência e preguiça. É fácil nos acomodarmos a uma trágica “preguiça existencial e mental”, desenvolver um quadro de apatia e indiferença quanto à vida e a falta de vontade de viver. O conformismo pode ser intelectual, físico ou espiritual. É fácil se conformar com a mediocridade, com a pobreza, com o descaso. Precisamos nos inquietar com os pecados de estimação e o mal aninhado e domesticado que inconscientemente cultivamos. Temos, não raramente, vivido confortavelmente instalados quando deveríamos viver de forma desinstalada para ter mais ousadia e desenvolver a fé. Caso contrário podemos viver como porcos de granja aguardando a hora da morte.
Lendo o velho e sagrado livro, encontrei o seguinte texto: “O Senhor... pleiteará a causa deles para aquietar a terra e inquietar os moradores da Babilônia” (Jr 50.34).
Deus dialeticamente aquieta e inquieta.
É necessário aquietar os inquietos e inquietar os acomodados.
Deus precisa inquietar os poderosos. O Império babilônico havia massacrado pequenas vilas e reinos. Construiu um sistema de dominação e abuso, aproveitava-se de sua truculência vilipendiando as nações vizinhas à base da força e da opressão, extrapolando todos os limites da racionalidade e do direito, transformando homens livres em escravos, roubando a pureza das crianças que habitavam em paz nos seus redutos agrícolas, humilhando-as e coisificando-as. O mal deveria ser contido. A Babilônia segura e intocável seria inquietada pelo próprio Deus . A segurança construída sobre a ganância e ódio seria desestruturada. Deus inquietaria a Babilônia, com toda sua luxúria e inescrupulosidade.

Esta dialética divina precisa acontecer. Os acomodados com aquilo que deve incomodar. Aos incomodados com graça, descanso e serenidade.

Desordem mental sociológica

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A situação caótica da cidade de Vitória nestes últimos dias, deflagrada pela greve dos militares, com os subsequentes desenvolvimentos de violências e assassinatos, saques a lojas, agencias e supermercados podem ser definidos como “desordem mental sociológica”. Algo muito estranho está acontecendo na Terra Brasilis.

O que vimos está próximo da barbárie, não por causa da extensão em si dos problemas, mas pela estranheza de parte da comunidade que demonstra uma disposição psicológica em usar da prerrogativa da falta de policiamento para instaurar o caos e o terror. De forma tosca seria como se uma aldeia descobrisse que o líder tribal está gravemente enfermo e a tribo resolvesse conspirar contra a unidade e a paz. Isto é anomia social. 

Assusta-nos a violência em si, e assusta-nos o fator psicológico com seus inerentes efeitos sociais. Sempre ouvimos falar que o Brasil é um pais pacífico, mas as estatísticas dizem o contrário. O Brasil é, ou tem se tornado, um país violento. Em 2016, foram registrados 511 mil assassinatos no mundo, 56 mil apenas no Brasil. Se o Estado de Alagoas fosse uma nação, seria a segunda nação mais violenta do mundo.

O que está levando o Brasil a este caos? Trazendo esta “desordem mental sociológica”? A esta sensação de Estado sem lei e poder paralelo? Como responder a esta angústia social que aos poucos tem transformado o tema da segurança pública na questão principal da politica, quando deveríamos estar investindo recursos e planejamento em educação e saúde?

A “teoria das janelas quebradas”, parece se aplicar ao contexto brasileiro. A lógica é a seguinte: Uma rua suja estimula outras pessoas a jogarem lixo no chão; um lote baldio cheio de entulhos, motiva o vizinho a jogar ali o seu lixo; regiões depredadas e sujas, atraem a marginalidade. O abandono do centro de São Paulo com casarões abandonados e grafitados, atrai viciados em droga e criou um lixão conhecido como Cracolândia, um inferno no meio da cidade, com todas as suas vilezas e desumanização.

Cidades limpas encorajam a ordem, a disciplina, o bem estar. Ambientes violentos geram violência. Um abismo sempre chama outro abismo.

Nos tempos bíblicos há um registro lacônico: Quando o Estado teocrático deixou de ser governado pelos profetas e ainda não havia sido estabelecido a monarquia, criou-se um vácuo de liderança, e a Bíblia registra: “Naqueles dias não havia rei em Israel, cada um fazia o que queria”. A ausência do estado, gerou uma situação de caos.

Assim acontece hoje. A falta de modelos de liderança, abuso de poder, malversação das coisas públicas, leva os cidadãos a se considerarem no direito de estabelecer sua própria lei.

O drama da cidade de Vitória reflete a liderança inescrupulosa e casuísta de um Estado sem autoridade. Mentes adoecidas reproduzem o modelo corrupto, que na sua essência é também violento, seguindo o padrão das janelas quebradas. A lógica é: Se há corrupção generalizada, então posso participar deste “ethos”. Se sou violentado, posso violentar, se a rua está suja, posso atirar minha latinha de refrigerante no chão. Para mentes deformadas, se tudo está ruim, estou pronto a colaborar para o caos. É neste contexto que surge a “desordem mental sociológica”.  

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Sobre o amor


Há muita confusão acerca do amor...

Um velho professor italiano afirmava com seu forte sotaque na escolástica aula de Teologia Sistemática: “antigamente se morria de amor, hoje se mata de amor”. Dependendo do tipo de amor, podemos classificá-lo como neurótico, esquizofrenizante, manipulativo, controlador, dominante, submisso, patológico e as variações sobre estes tons podem ser de rosa choque à cinza chumbo.

Naturalmente muito disto é doença. Algumas precisam de tratamento urgente. Uma pessoa que acha que não pode viver sem o outro porque ama desesperadamente, certamente precisa de terapia. Este tipo de amor que controla e acha que o outro é posse, sempre desemboca em grandes tragédias. Paixão vem do grego “pathos”, daí “patologia” e não é amor. É doença. Precisa de cura.

Aqueles que fazem de tudo para serem amados, possuem uma forte dose de narcisismo simbiótico e se confundem, achando que o seu valor encontra-se no outro. O verdadeiro amor só é real, quando não precisamos do outro para nossa própria sobrevivência. “Se não conseguirmos abraçar nossa própria solidão, simplesmente usaremos o outro como escudo contra o isolamento. Nossa relação será sufocante. Se você é incapaz de desistir do casamento, então o casamento está condenado” (Yalon).

Erich Fromm fez interessante pesquisa sobre o que chamou de “simbiose incestuosa afetiva”. O amor do tipo da trepadeira que se aloja na árvore e passa a receber a seiva do caule. Em muitos casos, a trepadeira se torna tão sufocante que mata a árvore e por conseguinte, a si mesma, já que sua sobrevivência depende do outro.

Stephen Shbosky fala de outro tipo doentio de amor: “Nós aceitamos o amor que julgamos merecer”. Este desvio dos afetos subordina muitos a relações neuróticas porque acha que é assim mesmo que tem que ser. Tornam-se dependentes de um “amor” doente, massacrante e destrutivo. Tal experiência é muito comum em pessoas com auto-estima baixa e que se julgam “merecedoras” deste tipo de relacionamento, ou por conceitos arraigados na formação ou cultura, ou auto-percepção negativa. São as “mulheres de Atenas”, que “não tem gosto ou presságio, nem desejo nem qualidades, tem medo apenas...” (Chico Buarque).

Um belíssimo texto, que já se transformou em uma celebrada música dos Titãs, assim define o amor: “O amor nunca desiste. O amor se preocupa mais com os outros que consigo mesmo. O amor não quer o que não tem. O amor não é esnobe, não tem a mente soberba, não se impõe sobre os outros, não age na base do “eu primeiro”, não perde as estribeiras, não contabiliza os pecados dos outros, não festeja quando os outros rastejam, tem prazer no desabrochar da verdade, tolera qualquer coisa, confia sempre em Deus, sempre procura o melhor, nunca olha para trás, mas prossegue até o fim” (Carta de Paulo aos Coríntios, versão “A Mensagem”)

Se quisermos caminhar numa direção segura, certamente precisamos começar por ai...