quarta-feira, 8 de abril de 2015

Livros que devoram


J. K. Rowling, criadora do conhecido personagem Harry Potter, concebeu na sua obra um livro que tinha o poder de devorar as pessoas. Ele deveria ser lido com cuidado e atenção, porque era perigoso. Quem dele se aproximava precisava fazê-lo com atenção, porque era atrativo, sedutor, mas podia ferir.
Na verdade, todos os livros têm o poder de ferir.
Culturas e gerações inteiras podem ser mudadas por causa de um livro. Livros são capazes de sublevar poderes e sistemas, provocar crises em poderes tirânicos (não é sem razão que, historicamente, muitos livros foram queimados em praça pública porque representavam ameaça). A Bíblia sofreu muitas vezes esta perseguição hedionda. Livros podem alterar toda cosmovisão, tem o poder de devorar, desconstruir conceitos e preconceitos, desmantelar paradigmas e estabelecer uma nova ordem social.
Livros também provocam revoluções individuais. Muitas pessoas foram transformadas ao terem contacto com determinada literatura. Na verdade, gosto de citar o pensamento de que daqui cinco anos, você será a mesma pessoa, exceto pelos amigos que tiver e pelos livros que ler. A leitura de um livro pode libertar, orientar, mudar drasticamente a espiritualidade, finanças, casamentos e perspectivas individuais. Livros são perigosos. Livros são vorazes.
A falta de leitura pode nos arruinar intelectual e psicologicamente. O Rev. Eudaldo silva Lima, grande orador bahiano, costumava afirmar que se não lesse cinco livros mensalmente ele se “asnificava”, isto é, emburrecia, se tornava um asno.
A geração atual lê muito pouco. As informações são fragmentadas e não há muita paciência para ler conteúdos mais reflexivos. Quando você abre a internet para ler as notícias do jornal, certamente não observa os editoriais, cujo conteúdo é mais aprofundado, mas prefere as informações passageiras, as tragédias imediatas, que não acrescentam nada no construto intelectual.
O entretenimento tem tomado também o tempo da leitura. São os facebooks, os what´s up, a web, youtube, que nos privam de um tempo precioso de leitura e reflexão. Esta distância dos livros dificulta a capacidade analítica.
Governos tirânicos e sistemas autoritários temem os livros, porque sabem que eles são perigosos. Quando residi nos Estados Unidos, me encontrei várias vezes com Caio Ferraz, doutor em sociologia pela universidade Sorbonne, que teve que se mudar do Rio de Janeiro por causa de perseguição de policiais inescrupulosos. Sua vida estava por um triz, porque sendo, ele mesmo, oriundo da favela, sabia demais e era crítico demais do sistema. Um dia me relatou que seu pai temendo represálias, o mandou a uma livraria de livros usados comprar volumes grossos de direito e compêndios, para colocar na sala de casa. Ele dizia que sistemas e pessoas embrutecidas, tinham medo de livros.
Rubem Alves afirmou que o maior problema na pedagogia moderna foi transformar a leitura em disciplina, como uma tarefa a ser cumprida, quando deveria ser introduzida no universo das crianças como deleite e prazer. Desta forma as crianças se aproximariam da literatura não como um exercício, mas como algo a ser apreciado, como um chocolate ou um sorvete.

Tenho um amigo que nasceu num contexto no qual a leitura nunca havia sido incentivada. O primeiro livro que ele leu foi em torno dos 30 anos de idade. De lá para cá, nunca mais deixou de ler, e até mesmo tem se arriscado a escrever algumas breves reflexões na página do facebook. Foi vencido pelo prazer. Poderia ter sido devorado pelos livros... e talvez tenha sido!

Nenhum comentário:

Postar um comentário