segunda-feira, 28 de julho de 2014

ANOREXIA DE AFETOS




A psicologia, de forma mais direta, a psicanálise, sempre relacionou o ato de comer (ou não comer), com a forma da pessoa se relacionar com o mundo. Por esta razão, existe tanta ocorrência de distúrbios relacionados à comida. Quando a criança nasce, todas suas experiências, literalmente, entram pela boca. A comida é a primeira forma de contacto com o exterior, e ao se alimentar recebe calor, toque, afetos. Comida se relaciona aos afetos.
Anorexia é a dificuldade da pessoa em comer. A pessoa anoréxica se recusa a ingerir, esta ideia lhe aterroriza – é o famoso jejum eterno. Por detrás deste medo de comer, existe o exagerado e mórbido medo de engordar. A pessoa anoréxica se recusa a manter o seu peso corporal em nível adequado à sua altura e idade, e tem um medo intenso de engordar. Já que comida possui uma linguagem simbólica, não é muito difícil relacionar alimento a uma carência afetiva. A comida não causa problema, mas ela possui um elemento simbólico que indica como a pessoa se relaciona com o mundo e consigo mesma.
Este quadro tem preocupado educadores e agentes da saúde. O que a anorexia ensina? Por que este quadro tem se tornado cada vez mais angustiante, e atinge não apenas pessoas adultas, mas atinge também pré-adolescentes e até mesmo crianças?
Nossa sociedade instiga a cultura de ter, e não do ser. Amontoar e possuir tem uma relação de ingerir e consumir. O homem ou a mulher “feliz” é aquele (a) que pode consumir os objetos de seus desejos. O inferno é a limitação; o céu, o consumo. Felicidade é sinônimo do ter. A sociedade pós-moderna é insaciável, cultivando a voracidade e a inveja.
O termo “anorexia de afetos” importei do psiquiatra carioca, Carlos de Almeida Vieira que afirma: “não considerar as questões afetivas é o mal do Século XX/XXI”. Cecilia Meireles afirma “Não há mais coisas para viverem conosco. Há somente coisas para nos servirem. Não nos podemos demorar diante da paisagem pela simples alegria de a sentirmos bela”.
Vieira entende que muitas destas perdas são provocadas precocemente por pais ausentes, indiferentes afetivamente, frutos de um mundo onde ninguém mais sabe lidar com sentimentos de amor, preferindo se escudar e viver relações somente de prazer físico, material.
Estamos famintos por afetos, anoréxicos, carentes de nutrientes emocionais. A anorexia afetiva caracteriza-se por uma atitude rígida, obsessiva e distorcida. Os primeiros sinais podem resultar de uma experiência de separação psicológica e rejeição. Por sermos uma sociedade de consumo, que quer devorar, consumir, ingerir – a anorexia emocional resulta da ausência de relacionamentos significativos. E não dá para culpar a sociedade ou a família. Temos reproduzido este modelo com nosso estilo consumista e desejo de posses.
A Bíblia fala desta anorexia de forma dramática, num antigo texto encravado no Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia): “A mais mimosa das mulheres e a mais delicada do teu meio, que de mimo e delicadeza não tentaria por a planta do pé sobre a terra, será mesquinha com o marido de seu amor, e para com seu filho, e para com sua filha” (Dt 28.56).

Estamos esquálidos, anoréxicos, mesquinhos. Esta é uma inversão danosa da alma. Uma sociedade voraz, obcecada em consumir, possuir, controlar e ter torna-se paradoxalmente, anoréxica. De tanto consumir desnecessariamente, não sabe mais ingerir afetos legítimos, abraçar, beijar, se relacionar de forma profunda e significativa. Que grande distorção da alma! Que grande impacto isto gera numa sociedade doente e subnutrida de legítimos sentimentos.

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