sexta-feira, 9 de maio de 2003

A riqueza da maternidade

O instinto materno é um dos mais aguçados na espécie animal, alguns inofensivos animais tornam-se ferozes quando seus filhotes são ameaçados. Mesmo animais domésticos quando estão ao lado de suas crias podem se tornar agressivos caso sintam que seus filhos estão ameaçados, e é por causa desta defesa tão notória que as espécies sobrevivem. Caso contrário, muitos deles estariam condenados à morte na violência própria do habitat em que são gerados.

Quando Deus quis falar do seu amor pelo povo nas Escrituras Sagradas, comparou-o ao da mãe. “Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti” (Is 49.15). Nada melhor para descrever o sentimento de Deus que a radicalidade do sentimento materno.

É do útero e do colo que procedem as primeiras impressões humanas. Dali começam a se delinear a afetividade, sentimentos de aceitação e rejeição, traumas, conflitos e as primeiras impressões sobre a graça. Pesquisas apontam para a grande importância das relações de amor e ternura na vida intra uterina para o futuro emocional das crianças. Colo também é um lugar que determina, de forma muito marcante, a construção dos sentimentos mais importantes na saúde emocional na fase da adolescência e na fase adulta. Psicólogos atualmente têm trabalhado a idéia do luto existencial, afirmando que um dos fatores mais determinantes da depressão na fase adulta é o distanciamento afetivo da pessoa amada, chamada simbolicamente de luto. Isto é, pessoas criadas sem afeto sentem uma enorme perda emocional que não é facilmente corrigida na fase adulta, apenas a terapia profunda ou uma auto-compreensão associada a ação redentora de Deus na alma, podem livrar tais pessoas desta privação que tem a ver não necessariamente com o momento presente, mas com sua história de vida e a negação de seus afetos.

Vítor Hugo certa vez afirmou que “A mão que embala o berço é a que governa o mundo”. De fato, é das relações primárias do seio e do colo materno que surgem os sentimentos de encontro e intimidade. Alimentar o bebê não é apenas uma questão de saúde pública, mas também de saúde emocional. Afetos e sentimentos são construídos nesta interação ainda indiferenciada bebê/seio, e não necessariamente bebê/mamãe, já que a figura da mãe, nos primórdios, encontra-se confusa, estando mais ligada ao objeto (seio), que à pessoa (mãe), como bem acentuou Melanie Klein.

Responder de forma afetiva à figura da mãe é essencial na dinâmica da ternura. Filhos desconectados emocionalmente dos pais, especialmente da mãe, revelam profundo desequilíbrio nas emoções. Isto geralmente se dá como resultado da quebra de uma experiência profunda do eu/tu. A pessoa sofreu com a resposta mais fundamental que é a linguagem do afeto encontrada no seio e no colo. É um autismo emocional, se é que podemos usar este tipo de linguagem para explicar o que estamos querendo dizer. A pessoa não é autista, como nos sintomas clínicos da psiquiatria, mas construiu um mundo emocional distanciado e emocionalmente quebrado. Pessoas assim terão muita dificuldade de amar e de experimentar intimidade, embora ainda consigam ter relações sexuais, elas acontecem de forma mais objetal que relacional. A intimidade e os afetos são quebrados, ocorre um distanciamento essencial nas emoções.

Muitos filhos constroem uma relação utilitarista e manipulativa com suas mães. Só são capazes de se relacionar com elas de forma distanciada e egocêntrica. Gente assim certamente terá muita maior dificuldade em amar e experimentar amor de forma profunda, são pessoas com os afetos essenciais dilacerados.

Algumas destas dificuldades de afeto tem raízes no processo de idealização que costumeiramente marcam nossos relacionamentos. De forma inconsciente, acreditamos que as pessoas que amamos jamais vão errar, que elas são perfeitas. Ora, é até natural crermos, enquanto somos crianças, que nossos pais são seres absolutos. Na infância cria-se a imagem da mãe angelical e do pai perfeito. O problema é que ao caminharmos para a nossa maturidade, espera-se que tal impressão seja lentamente quebrada, e que a imagem real seja estabelecida. Isto é, nossos pais são seres falíveis, não são perfeitos, mas humanos. Por não superarmos tal imagem distorcida, torna-se difícil perdoá-los quando percebemos que eles erram. Por causa desta idealização das pessoas amadas, não suportamos a idéia de que falhem, e quando isto acontece e elas cometem deslizes contra nós ou contra valores que consideramos importantes, não conseguimos mais amá-las.

Se o processo de idealização for quebrado de forma abrupta, sem que a pessoa esteja preparada para este choque com a realidade, ela é pega de surpresa diante da falha dos seus progenitores, e se não souber decodificar o fato, o resultado poderá ser a dificuldade futura em lidar com os afetos, afinal, “se minha mãe falhou, em quem mais poderei confiar?” A base dos afetos neste caso era puramente romântica, não realista, e a pessoa poderá encontrar dificuldade em amar outros, mantendo uma relação de suspeita e frieza nos relacionamentos.

O raciocínio do tipo, não posso confiar em ninguém, parece muito lógico, mas revela dois problemas:

Primeiro, deixa de perceber a humanidade do outro e de si mesmo, negando a ambos o direito da incompletude. Fazemos isto nas relações com nossos pais. Algumas frases de efeito refletem tais percepções, tais como, “ser mãe é padecer no paraíso”. Nem a mãe é anjo, nem o paraíso é lugar para padecimento. Outra área na qual tais processos se tornam visíveis é nos casamentos, que na sua maioria são feitos de forma absolutamente romântica A pessoa imagina que o outro seja celestial ou angelical, um ser ideal. A cerimônia de casamento em nossa cultura reforça esta visão. O rapaz veste-se como príncipe e a moça como princesa, e nos primeiros encontros já descobrem que o sapo, que deveria se transformar em princesa, e a gata borralheira em Cinderela, nunca deixaram de ser o que sempre foram: O sapo continua sendo sapo, e a rainha continua sendo borralheira, Nos frustramos ao perceber que o outro tem mau-humor, é egocêntrico, eventualmente tem “maus cheiros”, etc..

Segundo, enfrenta dificuldade em perdoar e amar pessoas porque elas falham, cometem absurdos e costumeiramente falham. Este tipo de relacionamento não considera a vulnerabilidade e a fragilidade do outro e fundamenta-se sobre falsos pressupostos, gerando resultados sempre caóticos. Deus ama incondicionalmente e nos pede para amar da mesma forma, porque relacionamentos fundamentados em falsos pressupostos trazem graves e sérias implicações para nossa alma. Falhamos quando não reconhecemos as falhas dos outros e projetamos uma imagem de perfeição às pessoas amadas. Isto gera frustração e desnorteia nossos afetos.

Quando amamos sem idealizar, aprendemos a perdoar e retiramos de nós mesmos o peso do perfeccionismo. Pais podem ajudar neste processo quando usam a linguagem do perdão e confissão em seus relacionamentos, e são capazes de admitir fraquezas, confessam pecados e admitem falhas. Isto os torna humanos e ajuda os filhos a amarem seres reais, não idealizados. Frases como me perdoe, me desculpe, são extremamente positivas. E situações nas quais os pais erram com os filhos e tropeçam nas atitudes podem ser profundamente saudáveis para os filhos, quando acompanhadas do reconhecimento da necessidade de serem perdoados e absolvidos. O perdão e não a perfeição, norteia as relações saudáveis.

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