Durante um bom tempo aquele jovem foi assistido em nossa comunidade. Ele precisava de tudo, sua doença não tinha cura, mas apesar do diagnóstico ele ainda não tinha qualquer sintoma da enfermidade. Sua dependência transformou-se em algo mórbido e toda vez que procurávamos ajudá-lo de forma mais eficiente, reorganizando sua história e carreira, ele se justificava com sua doença. Até que um dia, uma das pessoas que mais o ajudava lhe disse de forma amorosa e firme: “Você não pode transformar sua doença em justificativa para sua apatia. Você tem condições de ir para o mercado de trabalho e não deseja se ajudar. Você precisa compreender que doença não é patrimônio!” Foi a única vez que ouvi falar disto. E isto tem feito muito sentido.
Toda vez que um diagnóstico de uma determinada doença é feito, fico com medo do que pode acontecer na mente de uma pessoa. Não estou dizendo que o diagnóstico não é bom, estou apenas afirmando que ele pode se tornar, para sempre, numa justificativa para o mau humor, preguiça, indiferença, descaso. Uma pessoa com fobia social pode se justificar para o isolamento; alguém com borderline pode afirmar que seus rompantes e agressividade são resultantes de sua enfermidade, e isto pode dar lugar para a grosseria. Uma pessoa com bipolaridade, não precisa se explicar, sua doença a justifica. Uma pessoa com autismo leve, pode se transformar em alguém indiferente e insensível. E as desculpas podem se acumular. A doença, desta forma, se transforma em patrimônio da pessoa. Um bem que a explica, justifica, e a protege.
Alguns anos atrás acompanhei o caso de uma criança com autismo. Foi diagnosticada com a enfermidade aos três anos de idade. Dava para perceber os sintomas claros da doença: Era hiperinteligente, com comportamento recluso, demonstrou algum atraso no aprendizado da língua portuguesa e começou a falar e a escrever, em inglês, com seus três anos. Sua família conseguiu se adaptar e ajudá-la no processo. Sua enfermidade não era incapacitante. Visitando aquela casa, a avó me disse: “minha filha, teve os mesmos sintomas, mas nunca foi diagnosticada.” E me contou como ela estudou, foi para uma excelente universidade, tornou-se respeitável professora, apesar de nunca ter um diagnóstico.
Não me entendam mal. Novamente quero dizer que não acho que a ausência de diagnóstico é algo bom. Sabemos como as pesquisas, ciência e educação podem ajudar tanto a pessoa com a enfermidade, como a família, a serem mais efetivos no acompanhamento e a entender melhor comportamentos e reações. O problema, para mim, é quando a enfermidade se transforma num trunfo e numa conquista.
A mente humana é capaz de autossabotar-se, e esta é uma forma de agir contra si mesmo, e atrapalhar as próprias tarefas que precisam ser executadas. De forma consciente ou inconsciente criamos obstáculos que não permitem que alcancemos nossos objetivos. Uma forma de pensar negativa, ou um vício de pensamento pode se enraizar em na mente e dificultar nosso progresso pessoal.
Todos somos susceptíveis a enfermidades. Quando cursava psicologia, nos idos de 80, uma professora de psicanálise da PUC de Goiânia afirmou que “não é doente quem quer, é doente quem pode.” Não sei se realmente entendi corretamente esta frase, mas ela faz muito sentido para mim, ainda hoje.
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