Poucas realidades são tão presentes em nossa vida quanto o cotidiano: uma pessoa mal-humorada comentou: “O problema da vida é que ela é cotidiana.”
Cotidiano é aquilo está presente na vivência do dia a dia e faz parte da dinâmica de todo ser humano, indica a relação espaço-temporal na qual se dá essa vivência das pessoas.
Podemos ver o cotidiano pelo prisma positivo e pelo negativo. Ele é positivo no sentido que os rituais e comportamentos repetitivos, criam o ambient constante no qual o homem vive e existe, e é exatamente o hábito que produz o cotidiano, seguindo a ordem e ritmo da vida. Todo organismo vivo precisa de rotina e repetições. Crianças e velhos, e mesmo as pessoas jovens que muitas vezes se irritam com o cotidiano, precisam entender que ritos e costumes estruturam as emoções e são positivos para a saúde física.
A norma da regularidade garante ao indivíduo sentimento de segurança, onde se constroem os ritos que preservam a continuidade. Através da rotina aprende-se costumes e valores, constrói-se relações e tradições. Surge a consciência coletiva de que fazemos parte de um grupo com histórias e vínculos.
O lado negativo é que o cotidiano pode ser fator de sofrimento, apatia, levando o ser humano ao mecanicismo e ao tédio. O cotidiano já foi descrito como “o dia-a-dia que passa, sem que as coisas pareçam passar” e o fato de não surgir nada de novo, abre espaço para a apatia e a rotina marcadas pela cansativa repetição.
A música “Cotidiano” de Chico Buarque descreve os efeitos dos atos repetitivos na vida de um casal. Ele narra a vida de um homem com sua mulher, fazendo sempre as mesmas coisas, cumprindo o mesmo ritual: “Todo dia ela faz tudo sempre igual. Me sacode às seis horas da manhã. Me sorri um sorriso pontual. E me beija com a boca de hortelã. Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar. E essas coisas que diz toda mulher. Diz que está me esperando pr'o jantar. E me beija com a boca de café. Todo dia eu só penso em poder parar. Meio-dia eu só penso em dizer não. Depois penso na vida pra levar. E me calo com a boca de feijão.”
Todo ser humano precisa de estabilidade e isto se dá por atos repetitivos e ritos de família. Acordar no mesmo horário, dormir na hora certa, comer pão com manteiga e arroz com feijão pode ajudar no equilíbrio, porque possui certa previsibilidade. Quando isto não acontece e perde-se a rotina, a vida entra em desequilíbrio e gera ansiedade e angústia. Por outro lado, a rotina e o mecanicismo gerados pelo cotidiano pode trazer apatia, retirar a criatividade e a espontaneidade. Nos tornamos automáticos e previsíveis demais, perdemos a capacidade de comer outras coisas, andar por outros lugares, experimentar novos sabores e ouvir músicas diferentes. O cotidiano pode impedir que algo novo brote e a beleza de uma nova realidade seja experimentada. Um casamento pode perder sua beleza pelo engessamento das relações, como bem descreveu Chico Buarque.
Portanto, precisamos equilibrar rotina e ritos com criatividade e espontaneidade. Excesso de cotidiano gera apatia, engessamento e tédio. ” O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções. Um pouco de aventura liberta a alma cativa do algoz cotidiano.” (Clarice Lispector). Por outro lado, ausência de cotidiano gera insegurança, desequilíbrio e ansiedade. “Educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.” (Paulo Freire).
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