O
Salmo 119 é o maior capítulo da Bíblia, com 176 versículos. Em apenas dois
deles não faz menção à palavra de Deus, e em todos os demais coloca a lei de
Deus no centro, referindo-se a ela como “mandamento”, “palavra”, ”juízos”,
“testemunhos”, “promessas”,
“prescrições” e “decretos”.
Um
dos elementos presentes no coração do salmista é a alegria e contentamento que
ele encontra ao entrar em contato com a Lei de Deus. “Admiráveis são os teus testemunhos” (Sl 119.129); “Eu amo os teus testemunhos ardentemente”
(Sl 119,167)”, “Amo a tua lei” (Sl 119.113).
Ele se refere maravilhado à Lei de Deus (Sl 119.18) e afirma que nela
encontra prazer (Sl 119.24).
Outro
aspecto marcante neste capitulo é sua ênfase e oração para que Deus o
vivifique.
O
termo vivificar, tem na sua raiz, a ideia de vida. Vida é o oposto, não da
morte, como afirma Molttmann, mas da apatia. A vida possui sinais
característicos, e quando ocorre um acidente, os paramédicos ao socorrer as
pessoas, buscam imediatamente os sinais de vida: pulsação, respiração,
batimentos cardíacos, e ainda, o brilho nos olhos. Os olhos de uma pessoa
morta tornam-se opacos. A ausência de sinais vitais revela que a vida
se esvaiu. Não é a morte que emite sinais, é a vida. Sabemos que alguém morreu
quando os sinais vitais não mais existem.
Por
isto é curioso e interessante a insistência do salmista pedindo a Deus que o
vivifique. Esta oração é feita pelo menos 11 vezes (Sl 119.25, 37, 40, 50, 88,
93, 107, 149, 154, 156, 159). Ele anseia por vitalidade, deseja que a vida
volte a pulsar. Sente como se estivesse andando, porém sem vida. Já se sentiu
assim? Cadáver ambulante? Walking dead? Pois era exatamente este o sentimento
do salmista. Por isto clama insistentemente para que Deus o vivifique.
O
curioso, porem, é que toda a esperança de sua restauração está relacionada à Palavra
de Deus. Ele vê na lei de Deus, o meio de restauração do seu espirito abatido,
do seu devorador desânimo e busca as verdades e testemunhos de Deus para
encontrar vida.
O
salmista ora para que Deus o vivifique. Assim como ele, também precisamos de vida,
sonhos, sorrisos, amor, desejo, celebração. Por isto afirma reiteradamente:
...”vivifica-me, segundo os teus
juízos”...
...”vivifica-me, segundo a tua bondade”...
...”vivifica-me, segundo a tua promessa”...
...”vivifica-me, segundo a tua palavra”...
...”Os teus preceitos me tem dado vida”
Esta
é uma proposta muito interessante. Reencontrar a vida, a alegria e o
entusiasmo, na Lei de Deus. Uma proposta pouco considerada.
Opções contemporâneas de terapia
Hoje
em dia, quando nos sentimos desnorteados e aflitos, e perdemos a referência da
história, quais são as alternativas que mais comumente buscamos?
Uma
delas é o entretenimento. Tentamos encher a vida de atividades
prazerosas, nos refugiamos nos vídeo games, viagens, diversões, pescarias. Buscamos um shangrilá, uma Disneyworld para reparar o sentimento de vacuidade, nulidade e nonsense que tantas vezes nos consome.
Não é isto que as pessoas dizem: “Vai descansar, vai viajar, vai pescar? Não
que qualquer destas atividades sejam, em si mesmas, destrutivas ou perniciosas,
pelo contrário, são até mesmo interessantes. Mas na maioria das vezes, pessoas
fazem viagens cada vez mais exóticas, consomem doses cada vez maiores de
adrenalina, que redundam em completo fracasso. Percorrem o mundo para descobrir
que ainda continuam vazias e angustiadas.
Outra
opção são os remédios largamente encontrados nas prateleiras dos
supermercados e farmácias, oferecendo alivio rápido para problemas profundos.
Procuramos médicos renomados, alívio psiquiátrico, consumimos doses fenomenais
de frontal, Prozac, energéticos, multivitamínicos, Rivrotil (de tarja preta, é o
segundo remédio mais consumido no Brasil). Imaginamos que a solução para a
ausência de vida, alegria e entusiasmo encontra-se em fórmulas mágicas como
sugere o provocante filme “Sem limites”.
Ainda
buscamos alternativas e alivio para a vida de alegria e ausência de sinais de
vitalidade em psicoterapia ou terapias alternativas. Precisamos e pagamos
pessoas que nos entendam, e eventualmente se transformem numa espécie de
amuleto (ou muleta). Ou buscamos fórmulas mágicas e místicas para socorro
imediato. Pagamos alguém para nos energizar. A onda mais recente é o
“coaching”, alguém que nos entenda, traga estabilidade, vitalidade e energia
para o nosso interior caótico.
Certamente,
nenhuma destas alternativas acima é ruim em si mesma, nem são pecaminosas e
inadequadas, pelo contrário, podem trazer cura momentânea e eventualmente
transformações efetivas e duradouras, mas o salmista propõe uma alternativa
surpreendente.
A terapia da Palavra
O
Salmista vê, na Palavra de Deus, o conforto, consolo e a solução para vitalizar
sua alma. Por isto esta sempre afirmando: “vivifica-me,
segundo... a tua Palavra”.
è
“A minha alma está apegada ao pó, vivifica-me segundo a tua palavra” (Sl
119.25);
è”Desvia os meus olhos, para que não vejam a
vaidade, e vivifica-me no teu caminho” (Sl 119.37);
è”Eis que tenho suspirado pelos teus
preceitos; vivifica-me por tua justiça” (Sl 119.40).
è “O que me consola na
angustia é isto: que a tua palavra me vivifica” (Sl 119.50);
è “Vivifica-me, segundo
a tua misericórdia e guardarei os testemunhos oriundos da tua boca” (Sl
119.88);
è
“Nunca me esquecerei dos teus preceitos,
visto que por eles, me tens dado vida” (Sl 119.93)
è
“Estou aflitíssimo. Vivifica-me Senhor,
segundo a tua palavra” (Sl 119.107);
è
“Vivifica-me, segundo os teus juízos”
(Sl 119.140)
è
“Defende a minha causa e liberta-me;
vivifica-me segundo a tua promessa” (Sl 119.154);
è
“Muitas são as tuas misericórdias,
vivifica-me segundos teus juízos” (Sl 119.156).
è
“Vivifica-me, ó Senhor, segundo a tua
bondade” (Sl 119.159)
A
característica comum nestes textos é que o autor encontra, na Palavra de Deus,
o recurso para restaurar sua capacidade de viver. A Palavra se torna sua fonte
terapêutica. Isto tem implicações relevantes e práticas.
Onde
buscamos alternativas para o desânimo, frustração, cansaço, desencorajamento,
falta de propósito, tristeza de alma que retiram de nós a vitalidade? Sejamos
honestos: A palavra de Deus quase nunca tem sido considerada, mesmo para os
cristãos, como fonte de vida e alegria.
Talvez
seja exatamente isto que precisamos discernir, e certamente muita cura interior
aconteceria, se, pelo menos, buscássemos na Palavra de Deus, o antidoto para
nossa solidão e caos, através das palavras de esperança e promessas ali
contidas.
Por
esta razão o salmista ora: “vivifica-me,
Senhor”, sempre associando sua restauração ao poder redentor da palavra.
Ele
não pede cura por meio das alternativas de entretenimento, poderosos e
eficientes remédios da indústria farmacêutica, ou terapias alternativas, mas
nas verdades eternas contidas nas Sagradas Escrituras. “Porque
a palavra de Deus que é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada
de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espirito, juntas e
medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. E não
há criatura que não seja manifesta em sua presença, pelo contrário, todas as
coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar
contas” (Hb 4.12,13).
Certa
vez, tive oportunidade de ouvir uma palestra do Dr Carlos Bosma, missionário
holandês que se radicou no Brasil, trabalhando em Santa Catarina. Grande
biblista e Dr. em Antigo Testamento e hebraico, posteriormente tornou-se
professor no Calvin Theological Seminary em Michigan. Sua palestra foi sobre o
livro dos Salmos.
Depois
de discorrer profundamente sobre este livro poético, ele contou que seu pai
sofreu severas perseguições e opressão na época do nazismo, por defender os
judeus. Sua dor e silêncio eram brutais, e viveu assim por alguns anos. Durante
este período de dor, ele abria quieta e silenciosamente o livro de Salmos e
ficava horas lendo e meditando. O livro de Salmos possui 64 cânticos de
lamento. Muita dor, questionamento e desabafo surgem nestes salmos, quando os
escritores discorrem sobre suas dores, perplexidades e questões teológicas. O
Dr. Bosma concluiu este testemunho, visivelmente emocionado, dizendo que o
livro de Salmos havia libertado o seu pai, da dor e tristeza que o consumia.
Por
isso, quando enfrentar momentos de angústia e tédio, busque o alívio
primeiramente na Palavra de Deus, pois ela sempre será uma inesgotável fonte de
sabedoria, graça e vida:
“Nunca me esquecerei dos teus preceitos,
visto que por eles me tens dado vida”