quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Surpreendido por Deus

Como parte de minha espiritualidade, na época de natal tenho o hábito de ler os textos do Evangelho que descrevem o nascimento de Cristo.  Se possível, ouvindo músicas natalinas tradicionais, que inspiram muito a minha fé. Esta liturgia pessoal da alma, ou se preferirem uma linguagem mais comercial, esta agenda, traz um enorme benefício ao meu coração.

A primeira narrativa do Natal, o primeiro evento, é a manifestação do arcanjo Gabriel a Zacarias, pai de João Batista. “Ora, aconteceu que, exercendo ele diante de Deus o sacerdócio na ordem de seu turno, coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor para queimar incenso” (Lc 1.18). Se você ler atentamente o texto, vai perceber que todas as palavras revelam uma espécie de rotina. “...segundo a ordem de seu turno”; “...coube-lhe por sorte”, “...costume”.

Zacarias estava fazendo algo cotidiano. Nada de especial havia ali. Esta era a sua função, e ele estava na escala, cumprindo o seu turno, como um executivo vai para sua empresa todos os dias, como um operário que pega o ônibus para sua fábrica, ou um estudante que acordou cedo para ir à escola. Eventos comuns, gestos rotineiros. Nada excepcional.

Neste contexto de “normalidade”, surge o extraordinário. Deus se evidencia e o mundo espiritual que sempre esteve presente de forma invisível, agora torna-se perceptível. Deus sempre esteve ali, mas agora ele toma conhecimento de sua realidade. Deus mergulha no universo rotineiro deste homem e altera substancialmente sua trajetória de vida. Ele jamais poderia imaginar que seria pai de João Batista, o precursor de Jesus – e que os homens do Século XXI como nós, numa cultura e país distante, estaríamos refletindo sobre sua experiência.

Quando eu leio esta história, me vem à mente a frase do historiador Arnold Toynbee: “Toda história, uma vez tirada a casca e exposta a sua essência, é na verdade, espiritual”. Então, fico com vontade de dizer a Deus: “surpreenda minha história!” Que dos movimentos rotineiros do trabalho, e atividades comuns, surja algo extraordinário, sopre um vento incomum que me surpreenda.

Talvez seja exatamente este o significado perdido do Natal.

Ele fala de utopias e sonhos, desejos e anseios. De um Deus, para muitos distante e inacessível, que decide morar com os homens e caminhar nas estradas poeirentas da Galileia, apontando para um sentido maior da vida. De alguém que pode visitar um casamento que já perdeu o sabor e fazer um vinho novo e melhor, que tem a capacidade de curar e tocar pessoas estigmatizadas, esquizofrenizadas, feridas e doentes e libertá-las do ciclo vicioso da auto destruição e desespero.


Natal nos aponta para um Deus que pode nos surpreender...

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