Como parte de minha
espiritualidade, na época de natal tenho o hábito de ler os textos do Evangelho
que descrevem o nascimento de Cristo. Se
possível, ouvindo músicas natalinas tradicionais, que inspiram muito a minha
fé. Esta liturgia pessoal da alma, ou se preferirem uma linguagem mais
comercial, esta agenda, traz um enorme benefício ao meu coração.
A primeira narrativa do
Natal, o primeiro evento, é a manifestação do arcanjo Gabriel a Zacarias, pai
de João Batista. “Ora, aconteceu que, exercendo ele diante de Deus o sacerdócio
na ordem de seu turno, coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal, entrar
no santuário do Senhor para queimar incenso” (Lc 1.18). Se você ler atentamente
o texto, vai perceber que todas as palavras revelam uma espécie de rotina. “...segundo
a ordem de seu turno”; “...coube-lhe por sorte”, “...costume”.
Zacarias estava fazendo algo
cotidiano. Nada de especial havia ali. Esta era a sua função, e ele estava na
escala, cumprindo o seu turno, como um executivo vai para sua empresa todos os
dias, como um operário que pega o ônibus para sua fábrica, ou um estudante que
acordou cedo para ir à escola. Eventos comuns, gestos rotineiros. Nada
excepcional.
Neste contexto de “normalidade”,
surge o extraordinário. Deus se evidencia e o mundo espiritual que sempre
esteve presente de forma invisível, agora torna-se perceptível. Deus sempre
esteve ali, mas agora ele toma conhecimento de sua realidade. Deus mergulha no
universo rotineiro deste homem e altera substancialmente sua trajetória de
vida. Ele jamais poderia imaginar que seria pai de João Batista, o precursor de
Jesus – e que os homens do Século XXI como nós, numa cultura e país distante, estaríamos
refletindo sobre sua experiência.
Quando eu leio esta
história, me vem à mente a frase do historiador Arnold Toynbee: “Toda história,
uma vez tirada a casca e exposta a sua essência, é na verdade, espiritual”. Então,
fico com vontade de dizer a Deus: “surpreenda minha história!” Que dos
movimentos rotineiros do trabalho, e atividades comuns, surja algo extraordinário,
sopre um vento incomum que me surpreenda.
Talvez seja exatamente este
o significado perdido do Natal.
Ele fala de utopias e
sonhos, desejos e anseios. De um Deus, para muitos distante e inacessível, que
decide morar com os homens e caminhar nas estradas poeirentas da Galileia, apontando
para um sentido maior da vida. De alguém que pode visitar um casamento que já perdeu
o sabor e fazer um vinho novo e melhor, que tem a capacidade de curar e tocar
pessoas estigmatizadas, esquizofrenizadas, feridas e doentes e libertá-las do
ciclo vicioso da auto destruição e desespero.
Natal nos aponta para um Deus
que pode nos surpreender...
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