sábado, 28 de outubro de 2023

O coração do problema

 



Gabriel Garcia Marques no livro “Cem anos de solidão” descreve um de seus personagens atormentado por fantasmas e assombrações: “José Arcadio Buendia, depois de uma briga com Prudêncio Aguilar, numa rinha, o mata com uma lança. Um dia sua mulher saiu para beber água no quintal, e viu Prudêncio junto à tina, estava lívido, com uma expressão triste, tentando tapar com uma atadura de esparto, o buraco da garganta. Voltou ao quarto, contou ao esposo o que tinha visto, mas ele não ligou e respondeu: “Os mortos não saem, o que acontece é que não aguentamos com o peso da consciência.”


Ao enfrentar lutas e pressões temos que lidar com emoções que surgem de diferentes formas: medo, ansiedade, angústia, raiva ou tristeza. Nem sempre reagimos de forma correta e proporcional a situação que enfrentamos. É fácil colocar uma intensidade muito maior ao problema do que ele de fato merece porque temos uma bagagem emocional por detrás do fato e os gatilhos são inevitáveis. 


Por isto, diante das pressões, disputas e circunstâncias, precisamos ficar alertas às nossas experiências remotas. Deveríamos nos perguntar: “qual é o problema por detrás do problema?” Nem sempre reagimos à provocação de forma adequada porque existe uma construção psicológica, fruto de lembranças, ameaças e abusos anteriores. O evento do momento torna-se grandioso por causa da construção emocional acumulada por anos, e que fazem parte do nosso “infinito particular”. O problema mais profundo tem raízes e a resposta de hoje não está desconectada das nossas experiências. Nem sempre o problema que sentimos agora é o real problema, o que vemos é uma figura embaçada encoberta por uma cortina de fumaça.


O grande problema do homem não está fora dele, nem o que lhe acontece, o que as pessoas fazem e nem mesmo as circunstâncias. Por isto é fácil perceber porque as pessoas reagem de forma diferente ao enfrentar problemas similares. Uma pessoa pode se manter calma em meio ao perigo, e outra pode se desesperar, desmaiar ou entrar num quadro catatônico. Diante de abusos sofridos, um grita, xinga e bate, outro se cala, sofre a ofensa e apanha. O grande desafio humano é o coração. O coração do problema é o problema do coração. 


Então, se fossemos suficientemente maduros, o que quase sempre não somos, seriamos capazes de nos mantermos resilientes, corajosos e fortes mesmo em meio à riscos reais. O que está por detrás de toda raiva, irritação, ressentimento e mágoa que o evento presente gera? Qual é a dor por detrás da dor? O problema detrás do problema? Nem sempre a dor que sentimos hoje é a dor real, mas ela evoca e faz renascer angústias não resolvidas e inconscientemente reagimos a todas estas ameaças. 


E se perguntássemos: Por que sinto e reajo desta forma? O meu problema são os outros ou minha alma marcada pela dor? Estou sofrendo por causa do ambiente ou das circunstâncias ou por causa de experiências antigas que o evento atual faz renascer? Por que reagimos rapidamente às provocações, explodimos ou nos entristecemos? 


E por último, devemos sempre observar os movimentos do coração. A Bíblia afirma: “Guarda o teu coração, porque dele procedem todas as fontes da vida.” Os religiosos contemporâneos de Jesus estavam muito preocupados com os ritos, guarda do sábado, cerimoniais de purificação e com a lista de alimentos proibidos na Lei mosaica. Jesus afirmou: “O que contamina o homem não é o que ele come, mas sim o que sai do coração. Porque do coração procedem os maus desígnios, o adultério, a mentira e toda sorte de males...” De fato, o coração do problema é o problema do coração.

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