O Brasil tem 38 milhões de brasileiros "invisíveis", de acordo com o Ministro da Economia Paulo Guedes. São trabalhadores que receberam o Auxílio Emergencial, mas não estão inscritos no cadastro do governo. Muitos deles não têm CPF, conta bancária nem acesso à internet.
Apesar da citada invisibilidade, estas pessoas possuem famílias, laços de relacionamentos, história. Eles precisam morar, tomar ônibus, fazer compras e sobreviver. Muitos moram em zonas rurais, isolados do ambiente urbano. Outros estão nas periferias das grandes cidades. Por isso, alguns afirmam que o grande problema não está na invisibilidade, mas na ausência deliberada de quem olha e ignora, não deseja ver, vira o rosto para não.
Trata-se da legião dos miseráveis, estimada em 11,3 milhões de brasileiros analfabetos com 15 anos ou mais, que vive sem documentos, sem carteira de trabalho e não recebe qualquer benefício social. Simplesmente não há registro destas pessoas.
Especialista em políticas públicas e gestão governamental, a socióloga Letícia Bartholo rejeita o termo “invisível” por considerá-lo insensível. Ela afirma que, apesar de não estarem na proteção assistencial do Estado e viverem na informalidade, essas pessoas não estão longe de cada um de nós. São jardineiros, diaristas, autônomos, fazem pequenos bicos e estão mais perto do que imaginamos. Outro aspecto interessante é que não estão completamente fora do radar do Estado, já que podem ter acesso aos
sistemas públicos de saúde e educação.
O problema da população esquecida tem dois componentes: um é político, outro é ético. No primeiro há uma omissão deliberada e quase intencional do Estado, que não possui qualquer estratégia real para mudar o quadro social em que vivemos. A liderança política que faz as leis dispende uma quantidade imensa dos recursos para sustentar uma máquina cheia de privilégios voltada para a elite, que por sua vez ignora a miséria. Há muitos recursos, mas eles são mal distribuídos.
Por outro lado, temos um problema ético. A exploração, discriminação, descuido e negligência - ou qualquer termo que usemos - na verdade apontam para uma recusa grave, defeituosa, cínica e imoral. Sociedades mudam quando cidadãos,
aliados a uma política de cuidado, preocupam-se em cuidar e proteger os vulneráveis. O grande problema brasileiro não é a ideologia de gênero, nem a questão do racismo, aspectos que parecem dominar a discussão social em nossos dias. O grande problema tem a ver com a exploração da miséria.
Romper com este sinistro cenário envolve intencionalidade, disposição e leva tempo, mas é possível. Uma religiosidade eticamente madura precisa denunciar e participar da construção de um ambiente em que todas as camadas sociais possam ser percebidas. Não pode haver espaço para uma sociedade que criminosamente gera invisíveis.
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