domingo, 1 de junho de 2014

Restauração



Um incidente não banal, e digno de nota pela sua excepcionalidade, foi muito pouco divulgado pela imprensa na última greve de policiais do Recife. Dezenas de pessoas, massificadas e barbarizadas resolveram quebrar lojas e saqueá-las, levando o que encontrassem pela frente. Este fenômeno social, que está se tornando estranhamente normal, porém, teria um desdobramento surpreendente: Posteriormente, muitos saqueadores arrependidos, trouxeram o roubo e o devolveram na delegacia, reparando sua atitude tresloucada e desonesta.
O incidente incomum não foram os saques. Esta atitude de vândalos, que está se tornando comum entre nós, e que precisa ser corrigida duramente para que o quadro social tenha um mínimo de paz e respeito. O extraordinário se deu quando famílias inteiras ou mesmo pessoas que havia roubado os bens, e cometeram atos delinqüentes, traziam arrependidos os bens espoliados para devolver, num ato de reparação. Esta foi a nobreza do ato. A imprensa perdeu a oportunidade de valorizar mais o que deveria ser valorizado.
Não é difícil explicar comportamentos de massa. Pessoas sensatas cometem atos impensados movidas pela emoção do momento e pelo grito de um grupo maior. O que não é concebível é que, passado aquele momento insano, pessoas sãs e de boa consciência, não procurem consertar a tolice que praticaram.
A mídia tem um papel importante nisto. Quando se coloca em destaque personagens e imagens cruéis ou injustas, sem perceber pode valorizar o mal. Para uma pessoa com consciência danificada, ser exposto na capa de uma revista ou jornal, ainda que de forma negativa, pode parecer algo positivo, pois tira o bandido do anonimato e o torna respeitável entre aqueles que agem da mesma forma.
O que vi neste incidente de Recife, foram pessoas de bom senso que por detrás da insanidade e do quebra-quebra posteriormente ponderaram e envergonhados da sua atitude tola e criminosa, encontraram coragem de fazer o bem.
A reparação do ato é que deve ser destacada. Foi virtuoso o gesto de famílias com fortes e claros valores morais buscarem uma forma de acertar as coisas. Se esta consciência saudável acontecesse em outros níveis sociais, veríamos corruptos e corruptores, devolvendo aquilo que ilegalmente foi extorquido, não aceitando o que não é seu.
Esta virtude cristã se chama arrependimento. E é o primeiro passo para tratar a consciência culpada e restaurar uma sociedade que já não sente vergonha de fazer o que é errado e ilegal. Que chama ao bem, mal, e ao mal, bem; que confunde trevas com luz e luz com trevas; que toma o amargo por doce, e o doce por amargo.
Restauração é sempre resultado de arrependimento – que nunca deixou de ser uma virtude cristã. Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês, no seu clássico livro Temor e tremor, escrito em 1843, afirma que “Não há esperança para os que se não arrependem a tempo... Quando o pecado entra em discussão, a ética fracassa, pois o arrependimento (implícito sentimento de pecado), é a suprema expressão da ética”.





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