Recentemente a colunista Natalia Timerman afirmou que suas referências estavam morrendo, e que por causa disto ela sofria um senso de orfandade. Ela se referia de forma mais explícita à morte de Rita Lee e Milan Kundera, escritor Theco que influenciou o mundo com romances como “a insustentável leveza do Ser” e “Risíveis amores” entre outros. Para ela, isto se constituía numa espécie de desamparo, e de que tais pessoas são, de certa forma, insubstituíveis, já que com a internet, a inteligência artificial e a relação contemporânea com o tempo estão transformando o conhecimento, a forma de aprender e apreender a vida e que não somos e não seremos tão capazes quanto os que vieram antes.
Tento entender um pouco da frustração e receio da autora, mas minha crise sobre a perda de referenciais vai numa outra direção, ainda que seja simpática à sua dor. Tenho pensado muito na perda dos referenciais sociais, culturais, morais e espirituais. Jordan Peterson, no seu espetacular livro “12 Regras para a Vida”, afirma que o mundo apresenta a cada pessoa a dualidade do caos e da ordem. O caos é o domínio da ignorância, do inexplorado. A ordem, por sua vez, é como um território explorado, é a hierarquia, a organização, o ambiente de domínio no qual se sabe e se entende. A ordem é pacífica, segura e produtiva.
Quando retiramos os fundamentos, perdemos a noção de quem somos e nos aventuramos no campo do desconhecido, do risco. A perda da referência pode ser fatal, ainda que seja o caminho da criatividade. Mas o que estamos vendo é que as pessoas estão enfatizando tanto a necessidade de liberdade, de experiência, do senso de que não temos pais e mães para nos controlar e fiscalizar, que adentramos um campo sombrio da depressão, do caos e da ausência de sentido.
Timerman ainda fará uma analogia destes últimos anos da era pós-moderna como aquela situação em que você está no ensino médio e os seus pais vão viajar e você dá uma festa. “Por um tempo aquilo é genial, é livre e libertador, a autoridade parental se foi, está derrubada, um festim dionisíaco do tipo o-gato-foi-embora-vamos-brincar. Mas aí o tempo passa, e a festa vai ficando cada vez mais ruidosa, e as drogas acabam, e ninguém mais tem dinheiro para comprar drogas, e coisas foram quebradas e derramadas, e tem uma queimadura de cigarro no sofá, e você é o anfitrião, e aquela casa também é sua, e você gradualmente começa a desejar que os seus pais voltem e restaurem um pouco de ordem.”
Quando penso na perda de referência, estou olhando não para pessoas, mas para valores, princípios, cosmovisão, que organiza nosso universo e aponta a direção daquilo que somos e para onde devemos caminhar, Conta-se que Nietzsche, que defendeu a conhecida tese da morte de Deus e do Eterno Retorno, aos 16 anos chorava no porão de sua casa, e seu pai se aproximou e lhe perguntou a razão do desespero e da dor, e ele respondeu: “Descobri que Deus não existe e agora não há esperança.”
Me assusta perceber a perda da referência do Sagrado, a ausência de sentido, a superficialidade das relações nesta nova geração. Falta algo que “empreste” sentido e isto é pavoroso. A perda dos referenciais é fatal do ponto de vista psicológico, e mais destrutivo ainda na perspectiva existencial. Perder a Deus é perder-se. “que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma.” Foi isto que Jesus disse numa de suas conhecidas parábolas.
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