quinta-feira, 16 de abril de 2015

Novo ciclo


Hoje me assustei quando fui fechar a porta de entrada do escritório e percebi que a Locadora do Lino, meu amigo, estava em reforma. Todos os filmes foram retirados do dia para a noite, as prateleiras foram removidas, e tive a impressão que outra loja, com uma temática diferente vai ser instalada no lugar.

A sua locadora foi, durante anos, uma referência para muitas pessoas. Minha esposa cinéfila, talvez tenha sido a maior freguesa por anos. Muitas pessoas lotavam os estacionamentos da rua no final da tarde para escolher o filme apropriado para o humor daquele dia, e encontrar o filme que melhor combinaria com a pessoa com quem assistiria.

A locadora encerrou um ciclo.

Engolida pelo Netflix, HBO, e canais fechados, deixou de ter sua relevância e perdeu seu espaço no templo. Muitas vezes para explicar onde ficava a igreja que é localizada em frente à locadora, usava-a como referência. “Em frente ao Super Cine”.

Não sou do tipo da teoria conspiratória, nem de lamentar mudanças que acontecem, nem da pressão da tecnologia e das inovações. Certamente vou sentir saudade do sorriso do Lino e de sua esposa, mas acho que a vida está em constante movimento. Na linguagem de Heráclito, “um constante vir-a-ser”, afinal, “nada do que foi será igual ao que a gente viu há um segundo. Tudo passa, o tempo todo passará. A vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito”.

O Super Cine me fala de ciclos. A vida muda. A fila anda. A dor de hoje não vai durar para sempre. Toda ilusão é passageira. Os ditadores morrem, os poderosos tornam-se pó, a pessoa de sucesso hoje será esquecida amanhã; aqueles que são injustiçados serão restaurados. É o ciclo da vida. Uns morrem, outros nascem. Tudo muda.

Isto me leva a pensar que não dá para desesperar em nenhuma situação da vida, por mais bizarra e ameaçadora que seja. Suicídio por pressões situacionais é absolutamente inconsequente. A vergonha de hoje, será apagada; outros dias virão. Hoje chove, mas noutros dias bate sol. Desencantos, traições, podem nos levar a pensar que é o fim – mas para a vida e para a poesia, pode significar o começo. O caos abre portas que antes não víamos, por causa da ordem e da estrutura; a mudança que hoje aterroriza, a bagunça atual pode apontar novas oportunidades.


Gosto muito do conceito de arrependimento na língua hebraica. Significa “voltar atrás, recomeçar”. Descobrir que o caminho trilhado não era reto, mudar de direção. Este conceito judaico-cristão é muito importante. A vida tem recomeços, dá para refazer a história e acreditar que apesar de toda confusão, e todos os atalhos tortuosos, o design divino da existência humana traz a marca das possibilidades e alternativas. Dá para tomar outra estrada, descobrir e trilhar novos caminhos. Arrepender-se.  

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