Tereza me procurou porque não sabia o que fazer com as coisas
que estavam acontecendo em sua casa, especialmente no relacionamento com sua
mãe, fortemente dominadora e controladora, que não gostava de ser contrariada,
mas não hesitava em fazer os comentários mais diretos e ferinos em quaisquer
situações.
O marido de Tereza criou ojeriza à sua mãe, e já não queria mais
frequentar sua casa. As coisas ainda ficaram mais tensas porque um dia, no meio
de uma discussão acalorada da família, da qual o marido sempre fugia e não
participava, a mãe de Tereza se aproximou dele e lhe disse que ele deveria
dizer determinadas coisas para sua esposa, e ele respondeu secamente: “as
coisas que tenho que dizer para minha esposa eu digo pessoalmente e não em
público”. Isto foi o suficiente para sua mãe se afastar de sua casa, e romper o
relacionamento afirmando que só voltaria a conversar com ele se lhe pedisse
perdão. E ele não sente que deveria fazer isto...
Sua mãe, após a morte de seu pai na mocidade, tornou-se a pessoa
responsável pela casa. Ela provia, buscava recursos, orientava a vida
doméstica, se tornou-se uma pessoa forte, abriu empresas com sua irmã, que era
um desastre em todo empreendimento, e casou-se com um homem que decidiu, para
não viver brigando, não contestar a temperamental esposa. Mas, agora,
aproximando-se dos 70 anos, ela percebe que está perdendo o poder, e se tornou,
segundo a linguagem de Tereza, uma mulher “má”. Ela parece fazer as coisas sem
se preocupar se vai ou não ofender as pessoas. Todos os sábados ela e suas
irmãs se reúnem, e as altercações são muito comuns, mas a mãe de Tereza precisa
ter sempre a razão. Para não brigar, as pessoas se calam e evitam confronto.
Chegamos à conclusão de que sua mãe estava reagindo ao fato de
perceber não ter mais o controle como tinha anterior. A idade estava impondo limitações.
Ela queria dar tudo aos filhos, mas tendo o privilegio de coordenar suas vidas.
Ela aprendeu a ser provedora, mas com isto, surgiu a variável do controle.
Gostava de dar coisas à família, para assumir o domínio, e se a recompensa não
vinha, assumia comportamento de vítima. Afirmava que as pessoas não a entendiam
e eram ingratas, porque apesar de ter dado isto e aquilo, a família a tratava
“desta forma”. Agora, próxima aos 70 anos, ela percebe que seus genros e noras,
e mesmo os filhos, não se subordinavam mais ao seu jeito controlador, e na
medida em que os anos passavam, ia perdendo, lentamente a força e o controle
que sempre teve. Tal condição, certamente a deixava muito vulnerável, porque
seu valor estava na eficiência e trabalho, que a idade estava tirando no ciclo
natural da existência. Ela não estava encontrando outro valor em que se firmar.
Não tinha religião, os filhos estavam se esquivando dela, seu marido criou
mecanismos de defesa e durante as
discussões familiares, fingia “tirar uma soneca”, já que, próximo aos 80 anos
de idade esta saída era politicamente correta. Apenas suas irmãs, ainda andavam
ao seu redor, mas reclamavam constantemente da atitude da irmã, como é próprio
de mecanismos e relacionamentos familiares neuróticos.
A filha não estava suportando mais a situação gostaria de ver
mudanças.
Na conversa que tivemos, entendemos que ela não deveria esperar
muito, porque provavelmente não veria esta transformação desejada.
Um dos grandes problemas que enfrentamos na vida é esperar que o
outro mude. Em geral as pessoas não mudam. Mudanças ocorrem somente em eventos
dramáticos como acidentes, tragédias, lutos, ou conversões espirituais. Fora
disto, as pessoas continuam sendo as mesmas. Mudanças nem sempre são fáceis.
Precisamos aprender que se alguma coisa deve ser mudada, deve ser a hermenêutica
que faço dos eventos que me acontecem. Fora disto, não há muita esperança.
Na conversa, chegamos à conclusão de que quem deveria mudar era
ela mesma. Tereza precisava ter outras percepções, fazer novas leituras e
diferentes abordagens – diante do mesmo quadro.
Uma sugestão foi de que ela aprendesse a não se sentir ofendida
pelo comportamento da mãe. Ela não poderia mais se surpreender com sua atitude
grosseira, que fazia parte do cotidiano. Em outras palavras, não poderia se
surpreender com o óbvio. Precisava reagir de forma diferente às atitudes da
mãe. Emitir novos comportamentos e reagir de diferentes formas. Ela admitiu que
foi isto que seu irmão fez para não entrar na neurose da mãe e ficar
digladiando com ela.
Discutimos que o melhor tratamento em situações como esta é
aquele que atinge profundamente o coração, traz arrependimento e mudança de
vida, mas se isto não acontece, precisamos agir com técnicas behavioristas, na base do reforço
positivo e negativo. Ela não quer se distanciar de sua família, mas está se
tornando difícil porque todas as vezes surge conflito, as conversas sempre
terminam em divergências, e daí em diante todos gritam e as altercações são
comuns.Sugerimos que ela aprenda a fugir das situações tensas. Ela já percebeu
que seu pai, foge das discussões, ora saindo para colher goiabas, mangas e
laranjas na chácara, ora indo para a rede para tirar um cochilo. Pensamos que
uma boa sugestão poderia ser a de seguir o exemplo de seu pai. Quando ele
estivesse saindo “à francesa”, ela procurasse segui-lo. “Pai, vou contigo”.
Desta forma não se distanciaria da família e tiraria proveito daquilo que de
bom poderia surgir destes turbulentos encontros familiares.
Normalmente Tereza evita debates e confrontos. Muitas vezes ela
vai até o limite emocional, e quando isto acontece ela perde as estribeiras e
também começa a gritar e altercar no mesmo nível de sua mãe. O bate-boca torna-se
inevitável. Consideramos a possibilidade dela não esperar as coisas chegarem ao
extremo, mas que, se tivesse que dizer alguma coisa, respirasse fundo, medisse
bem as palavras, antes de estar no limite da agressividade e se tornasse
assertiva. Quando sua mãe começasse a gritar e falar alto, ela continuaria
dizendo verdades, mas trazendo sua voz não para a gritaria, mas para um
semitom, forçando-a a ter que prestar atenção quando ela falava. Ela nunca
conseguiria disputar e agir da forma agressiva de sua mãe.
E quanto ao seu marido?
Considerei que ela seria cobrada dele não estar presente às
reuniões familiares, mas que ela dissesse que as diferenças entre ele e a mãe,
deveriam ser resolvida entre os dois. Que ela amava seu marido e amava sua mãe,
e não gostaria de ficar entre duas pessoas amadas numa disputa de atenção. Se
existiam diferenças, elas deveriam ser resolvidas com maturidade, entre eles.
Terminei reforçando o princípio:
Sua mãe não vai mudar. Você pode mudar.
Em geral, quando mudamos comportamentos, isto mudança atitudes
do outro. Se exigimos mudança, o outro vai se defender ainda mais e endurecer
sua posição. Se mudarmos, poderemos ter ganhos
significativos. Mesmo que o outro não mude... aprendemos a lidar com as
situações que estão presentes. A verdade é que, na maioria das vezes, não
podemos mudar a forma como os outros agem, nem o que fazem conosco, mas podemos
determinar que o comportamento do outro não me obrigará a fazer do jeito que
ele quer. “não podemos mudar a forma como as pessoas agem, mas não podemos
permitir que suas atitudes determinem o que vamos fazer com aquilo que fizeram”.
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