A psicologia, de forma mais direta, a psicanálise, sempre
relacionou o ato de comer (ou não comer), com a forma da pessoa se relacionar
com o mundo. Por esta razão, existe tanta ocorrência de distúrbios relacionados
à comida. Quando a criança nasce, todas suas experiências, literalmente, entram
pela boca. A comida é a primeira forma de contacto com o exterior, e ao se
alimentar recebe calor, toque, afetos. Comida se relaciona aos afetos.
Anorexia é a dificuldade da pessoa em comer. A pessoa anoréxica
se recusa a ingerir, esta ideia lhe aterroriza – é o famoso jejum eterno. Por
detrás deste medo de comer, existe o exagerado e mórbido medo de engordar. A
pessoa anoréxica se recusa a manter o seu peso corporal em nível adequado à sua
altura e idade, e tem um medo intenso de engordar. Já que comida possui uma
linguagem simbólica, não é muito difícil relacionar alimento a uma carência
afetiva. A comida não causa problema, mas ela possui um elemento simbólico que
indica como a pessoa se relaciona com o mundo e consigo mesma.
Este quadro tem preocupado educadores e agentes da saúde.
O que a anorexia ensina? Por que este quadro tem se tornado cada vez mais
angustiante, e atinge não apenas pessoas adultas, mas atinge também pré-adolescentes
e até mesmo crianças?
Nossa sociedade instiga a cultura de ter, e não do ser.
Amontoar e possuir tem uma relação de ingerir e consumir. O homem ou a mulher
“feliz” é aquele (a) que pode consumir os objetos de seus desejos. O inferno é
a limitação; o céu, o consumo. Felicidade é sinônimo do ter. A sociedade
pós-moderna é insaciável, cultivando a voracidade e a inveja.
O termo “anorexia de afetos” importei do psiquiatra
carioca, Carlos de Almeida Vieira que afirma: “não considerar as questões
afetivas é o mal do Século XX/XXI”. Cecilia Meireles afirma “Não há mais coisas
para viverem conosco. Há somente coisas para nos servirem. Não nos podemos
demorar diante da paisagem pela simples alegria de a sentirmos bela”.
Vieira entende que muitas destas perdas são provocadas
precocemente por pais ausentes, indiferentes afetivamente, frutos de um mundo
onde ninguém mais sabe lidar com sentimentos de amor, preferindo se escudar e
viver relações somente de prazer físico, material.
Estamos famintos por afetos, anoréxicos, carentes de
nutrientes emocionais. A anorexia afetiva caracteriza-se por uma atitude
rígida, obsessiva e distorcida. Os primeiros sinais podem resultar de uma
experiência de separação psicológica e rejeição. Por sermos uma sociedade de
consumo, que quer devorar, consumir, ingerir – a anorexia emocional resulta da
ausência de relacionamentos significativos. E não dá para culpar a sociedade ou
a família. Temos reproduzido este modelo com nosso estilo consumista e desejo
de posses.
A Bíblia fala desta anorexia de forma dramática, num
antigo texto encravado no Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia): “A
mais mimosa das mulheres e a mais delicada do teu meio, que de mimo e
delicadeza não tentaria por a planta do pé sobre a terra, será mesquinha com o
marido de seu amor, e para com seu filho, e para com sua filha” (Dt 28.56).
Estamos esquálidos, anoréxicos, mesquinhos. Esta é uma
inversão danosa da alma. Uma sociedade voraz, obcecada em consumir, possuir,
controlar e ter torna-se paradoxalmente, anoréxica. De tanto consumir
desnecessariamente, não sabe mais ingerir afetos legítimos, abraçar, beijar, se
relacionar de forma profunda e significativa. Que grande distorção da alma! Que
grande impacto isto gera numa sociedade doente e subnutrida de legítimos
sentimentos.