O
homem moderno vive na luta infinita para distinguir, interpretar, aceitar ou
rejeitar o sobrenatural. Esta ambigüidade negação/inclusão encontrou sua
síntese numa conhecida frase de Gabriel Garcia Marquez: “Eu não creio em bruxas,
mas que elas existem, existem”. Voltaire, conhecido agnóstico também enfrentou
este paradoxo quando se viu no meio de uma procissão, e ao se aproximar do
andor tirou respeitosamente o chapéu. Quando indagado sobre sua atitude
“piedosa”, afirmou: “Ele e eu não somos amigos, mas nos respeitamos”.
O
senso do Sagrado, do numinoso (Otto
Rank), ou do arquétipo (Jung),
permeia a natureza humana. Vivemos entre o histórico e o meta-histórico; entre
o natural e o sobrenatural; entre o material e o espiritual; entre o temporal e
o eterno.
A
Bíblia é um livro de que conta a história de um povo, mais especificamente do
povo judeu, mas o que vemos neste livro é seu interesse mais profundo em
demonstrar como a história de Israel é permeado pela presença constante de Yahweh. Ao lermos seus relatos, vemos
que na sua maioria são relatos ordinários de pessoas comuns, vivendo suas
lutas, conflitos e ambições.
Considere
a história de José (do Egito), numa intrincada realidade de um lar poligâmico,
com quatro mulheres, 12 filhos e outro tanto de filhas, vivendo num sistema
competitivo pelo amor de um homem. A saga desta família revela os ciúmes e
invejas que as predileções geravam. Por causa desta disfuncionalidade José é
vendido pelos seus próprios irmãos para um mercador de escravos amalequita, que
o leva para o Egito colocando-o no mercado onde é leiloado. Apesar da Bíblia
afirmar que “o Senhor era com José”, os eventos cotidianos de sua vida não dão
muito idéia da presença do Sagrado. Torna-se mordomo, mas ainda escravo na casa
de Potifar, dali é levado debaixo de açoites para a cadeia, esquecido numa
masmorra. Onde está Deus nisto tudo?
Até
mesmo os eventos trágicos e doloridos como os que vemos na vida de Jó revelam
incidentes aparentemente desligados de um plano maior. Como entender a
catástrofe que vem sobre suas empresas que culminam numa falência tão grave? Ou
no vento enigmático que rouba a vida de seus filhos? Ou no arrastão que um
grupo de ladrões faz entrando na sua fazenda e roubando todo seu rebanho? Como
conectar estes eventos com alguma coisa sobrenatural?
No
entanto, todos estes eventos são interconectados e possuem uma ligação na
eternidade. A história e a meta-história, o natural e o sobrenatural lado a
lado. Na vida de José, sua indesejada ida ao Egito, revelou-se na estratégia de
Deus para salvar sua família. Ele mesmo declara isto ao encontrar-se com seus
irmãos: “Vós intentastes o mal, mas Deus
transformou o mal em bem, como hoje vedes”.
Como
interpretamos o cotidiano, os eventos de hoje? Será que os vemos como meros
acidentes de percurso ou somos capazes de conectá-los com um plano maior? Nem
toda perda é ganho, e nem todo ganho é perda... é tudo uma questão de
perspectiva!
Nenhum comentário:
Postar um comentário