domingo, 29 de maio de 2022

A Arte do Esquecimento Seletivo


 

 

Você já ouviu falar de esquecimento seletivo? Nossa memória tem uma maravilhosa capacidade de se lembrar de determinados eventos e de se esquecer de outros. Esta é, na verdade, uma das suas grandes belezas. Não dá para lembrar de todas as coisas, mas, acima de tudo, não devemos nos lembrar mesmo.

 

Certa vez meu pai reclamou que sua memória estava fraca. Ele possui algumas casas de aluguel e então fiz um teste. Perguntei quem morava em determinada casa, quanto ele recebia por mês, qual era o nome do morador e ele não teve dificuldade em responder às perguntas. Rimos juntos considerando que, na verdade, nós nos esquecemos daquilo que realmente não é tão importante...

 

 

Nem sempre é bom lembrar de tudo o que aconteceu e nós não conseguiríamos, considerando a quantidade de informações que nosso cérebro recebe. Mas há outro aspecto curioso: pesquisas mostram que há mecanismos utilizados pelo cérebro para ‘deletar’ memórias. E isso é uma forma de proteção.

 

O principal objetivo da memória não  é armazenar informações de maneira precisa por muitos anos, mas guiar e otimizar o processo de tomada de decisões, retendo apenas as informações mais importantes e eliminando as pouco úteis ou traumáticas.

 

Na verdade, o nosso cérebro trabalha ativamente para esquecer. Desta forma, esquecer torna-se tão importante quanto lembrar. o cérebro precisa se esquecer de detalhes irrelevantes e se concentrar no que realmente importa. Há mecanismos que promovem o esquecimento.

 

 

Isto é memória seletiva. Ter consciência desse processo nos ajuda a usá-lo a nosso favor, esquecendo-nos das situações desconfortáveis ou que nada agregam. Eventos traumáticos são muitas vezes esquecidos, embora seus sintomas possam perdurar, mesmo que não tenhamos consciência deles.

 

As memórias podem ser olfativas, visuais, auditivas, táteis ou do paladar. Há pessoas com memórias mais aguçadas em alguns aspectos que em outros. Os processos de memória não descansam e trabalham durante todo o dia, por isso precisam filtrar as informações para manter as importantes e ignorar as irrelevantes.

 

 É possível lembrar do perfume que nossa avó usava há 20 anos, mas somos incapazes de nos lembrar da cor da roupa da garota que nos atendeu na loja no dia anterior, e talvez não nos lembremos do que almoçamos no domingo.

 

Nossa saúde emocional depende de como lidamos com as memórias. O apóstolo Paulo afirma: “uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam, e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.” Ficar amarrado ao passado de mágoa e dor, pode nos impedir de avançar.

Para onde você está indo?

 


 

O grande físico Albert Einstein, foi homenageado pela Revista Time como “O Homem do Século”, estava certa vez numa viagem de trem saindo de Princenton, quando o cobrador veio no corredor pedindo a todos que mostrassem seus bilhetes de passagem. Quando chegou perto de Einstein ele procurou nos bolsos de seu terno e não encontrou o bilhete, e a partir daí começou a procurar em todos os lugares, começando pelos bolsos da calça, sem sucesso.

 

Então ele abriu sua bolsa e procurou seu bilhete, olhou para a bolsinha da cadeira na sua frente, mas também não encontrou ali. Ele estava visivelmente constrangido com a situação, quando o cobrador, olhando para ele, gentilmente  procurou tranquilizá-lo dizendo: “Dr Einstein, eu o conheço, eu sei quem você é, eu tenho certeza de que você comprou seu bilhete. Não se preocupe com isto.” E em seguida saiu pedindo os bilhetes das outras pessoas, marcando cada um deles.

 

Quando, porém, o cobrador já estava se dirigindo para outro vagão, ele percebeu que o renomado físico, estava com as mãos no chão, agachado, procurando ainda seu bilhete debaixo dos outros bancos. Ele correu em direção ao velho cientista, tentando ajudá-lo a se levantar e reafirmando que tudo estava certo, que ele não precisava ficar preocupado, e reafirmou sua palavra: “Eu sei quem é o Senhor, eu estou certo de que você comprou o bilhete. Não se preocupe.” Neste momento Einstein olhou para ele e disse: “Meu jovem, eu também sei quem eu sou, mas estou procurando o bilhete para saber para onde estou indo.”

 

Esta é uma boa alegoria sobre a vida. Podemos saber quem somos, o que estamos fazendo, de onde viemos, mas não necessariamente saber para onde estamos indo. Nós precisamos de direção e propósito, não basta saber de onde viemos, mas é necessário saber para onde caminhamos.

 

Certa vez Jesus disse aos seus discípulos: “Não se preocupem em seus corações, creiam em Deus, creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas, e vós sabeis para onde vou”. E um dos discípulos chamado Filipe respondeu: “Senhor não sabemos para onde vais, como saber o caminho?” E Jesus fez uma das afirmações mais seguras e diretas que podemos encontrar nas Escrituras Sagradas: “Eu sou o caminho, a verdade, e a vida, ninguém vem ao Pai, senão por mim.”

 

Não precisamos ficar inseguros, indecisos e incertos sobre o destino de nossa viagem. Sabemos que somos passageiros nesta terra, e que a morte é a coisa mais democrática da vida (atinge a todos); menos seletiva (não faz acepção entre raça, cor e religião e classe social) e a única coisa certa da vida. Ninguém sabe quando morrerá, mas basta puxar a senha e lá vamos nós. Certamente esperamos que a nossa senha demore mas uma hora virá.

 

Certo homem estava muito angustiado porque viu que muitas pessoas da sua cidade estavam morrendo, e resolveu se mudar para uma cidade pequena. Um dia conversando com uma pessoa bem simples, lhe perguntou: ”O Senhor pode me dizer se há muita morte nesta cidade?” E o camponês respondeu: “Não. Apenas uma para cada pessoa.”

 

“O que importa, não é a velocidade, mas a direção.” (João Calvino)

 

A popularização do suicídio

 




 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos ocorre um suicídio no mundo, e o número pode chegar em apenas um ano a 800 mil vidas perdidas, e as estatísticas revelam a gravidade deste cenário: depois de acidentes de carros, o suicídio já é a segunda maior causa de morte de jovens de 15 a 29 anos.

 

O suicídio é causado por depressão, esquizofrenia e distúrbios psicológicos como ansiedade, psicose, término de relacionamentos amorosos, situação econômica, problemas familiares e uso abusivo de álcool e drogas, mas um bom número de casos poderia ser evitado, se pessoas próximas às vítimas soubessem identificar os sinais claros de risco.

 

A faixa etária entre a infância e a adolescência é a que mais cresce em número de suicídios. Os motivos muitas vezes são banais como falta de dinheiro para ir ao cinema, bullying na escola, auto imagem negativa, e uma das coisas que tem assustado os pesquisadores é a percepção de que ocorre uma popularização do suicídio, parece haver algum “charme”, e soa como “demonstração de coragem”, tirar a própria vida. As mídias sociais, em razão da capacidade de compartilhamento e interatividade, facilmente geram ambientes que encorajam o suicídio e proporcionam, de forma maligna, um estimulo para jovens vulneráveis.

 

Em 2017, foi divulgado um jogo virtual chamado de Baleia Azul, que promovia o estímulo às mutilações corporais e até suicídio. O fato trouxe à tona a dramática realidade do assédio virtual, e certa apreensão aos pais que perceberam que o inimigo não estava do lado de fora, mas havia entrado nas casas pelas mídias sociais. A internet possui grupos com informações sobre métodos de suicídios, e os participantes discutem meios, lugares e encorajam uns aos outros a este macabro e demoníaco ritual.

 

Quando crianças e adolescentes não possuem um espaço no qual possam desabafar e conversar sobre o assunto, o tema pode complicar, e naqueles que possuem tendências a transtornos mentais surge o ambiente para ideações suicidas. Os números tem sido alarmantes mas estima-se uma forte tendência de crescimento nos próximos anos, diante da depressão infantil e a solidão de famílias muito ocupadas e filhos cada vez mais isolados afetivamente por causa do celular.

 

Esta “popularização do suicídio”, pode ser um fator de altíssimo risco, porque muitos adolescentes ainda não conseguem avaliar o grande risco de um ato sem retorno e sem possibilidade de arrependimento. O suicídio é ato final, definitivo e irreparável, mas nem todos conseguem fazer uma avaliação profunda de seus atos. Com a vulgarização e banalização da vida, este ato doentio tem se tornado popularmente aceito, já não gera grande espanto em muitos jovens. Assim, populariza-se a tragédia e banaliza-se o mal.

 

 

Autofagia da Guerra

  


Já estamos chegando ao centésimo dia da guerra entre Rússia e Ucrânia. Para quem pensava que a batalha teria uma rápida negociação, infelizmente, o cenário atual é de que ela está mais perto da expansão do que do fim. Simplesmente, as negociações parecem não funcionar.

 

As perdas econômicas são imensas. Perde a Rússia que sofre bloqueio de recursos e de negócios junto às nações com as quais lidava comercialmente antes. Sofre a Europa com a escassez de fontes de energia - gás e petróleo - advindas da Rússia. Mas sofre ainda mais aqueles que foram obrigados a deixar sua história para trás. Eles abandonaram suas casas e projetos, pois saíram em busca de abrigo e proteção internacional; perderam suas referências históricas e, sobretudo, de entes queridos que sucumbiram na guerra. Para estes, a perda é irreparável.

 

Por que surgem as guerras? Elas sempre foram motivadas por líderes narcisistas, que anseiam por glória pessoal e reconhecimento internacional. As razões econômicas são reais, mas, em última instância, não configuram o motivo maior de guerrear.

 

Nas Escrituras Sagradas o apóstolo Tiago afirma: “De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde senão dos prazeres que militam na vossa carne? Cobiçais e nada tendes; matais e invejais e nada podeis obter; viveis a lutar e a fazer guerras" (Tg 4.12).

 

O motivo central e propulsor da guerra é a cobiça. Dominar, conquistar, possuir, ser superior, ampliar territórios. Isso acontece no nível das relações entre os países e das relações interpessoais. É o desejo de ter mais, de ser mais. A inveja é tola e insaciável. Nada é capaz de satisfazer a ganância.

 

A guerra violenta a vida, destrói famílias, fragmenta a sociedade por causa da insaciabilidade. A cobiça é voraz. É poço sem fundo, sempre insatisfeita, faminta e esquálida. Apesar de se alimentar destrutivamente da energia do outro, é incapaz de resolver a fome daquele que devora. A cobiça quer mais em doses cada vez maiores, como um dependente químico que vai sempre mais fundo para satisfazer o vício, sem que isso aconteça. Não há satisfação!

 

Poderosos tubarões, insaciáveis generais, líderes vampirescos sempre são devorados pela própria voracidade. Usam a espada e são devorados por ela. É um movimento de auto-sarcofagia, em que se come a própria carne em um processo suicida inconsciente, já que “o espírito de ganância tira a vida daquele que a possui.” Assim, gananciosos se auto-devoram retroalimentando a autofagia, processo no qual as células digerem parte de si mesmas para sobreviver. Sobre as guerras que preservam tão bem esse cenário, Jesus foi bem claro: “Todos os que lançam mão da espada, à espada perecerão” (Mt 26.52). 

Não Tenho Tempo de Morrer


 


 

Numa entrevista à radio Jovem Pan em 15 de janeiro do ano passado, o comentarista Boris Casoy falou sobre o tempo em que esteve isolado por causa da pandemia de Covid-19. Na época ele afirmou que, há meses, não saía de casa para nada. Aos 79 anos, comentou também sobre o medo da morte: “Tô em casa, agora tô preso, em prisão domiciliar desde março. Tenho medo de sair, tenho pavor de morrer. Não tenho tempo de morrer. Sou muito ocupado e vou tocando. Estou inteiro, mais ou menos. Ando mais devagar.”

 

Chamou minha atenção a frase: “Não tenho tempo de morrer.” Isso me lembrou a história de um homem que, ao notar a morte de muitos amigos em sua cidade, resolveu mudar-se para um outro lugar, uma cidade menor. Ao chegar no local, perguntou para um senhor na rua: “Há muita morte aqui?” E ele respondeu, espontaneamente: “Não! Apenas uma para cada pessoa.”

 

Por acaso alguém em sã consciência tem “tempo para morrer?”. Além do mais, a morte requer tempo para acontecer? Jesus certa vez afirmou: “Qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um minuto ao curso de sua vida?” Muitos dariam tudo para ter um pouco mais de tempo de vida.

 

Uma das propostas da ciência utópica é a ciência criônica, que é o processo de preservação, em baixas temperaturas, de humanos e animais que não podem mais ser mantidos vivos pela medicina contemporânea. A esperança é de que a cura e a reanimação sejam possíveis no futuro. A criopreservação de pessoas ou animais não é reversível com a tecnologia atual, mas

 há suposições de que poderá preservar corpos para serem recuperados no futuro com a utilização de uma tecnologia mais avançada. Tudo isso é uma tentativa desesperada de controlar a morte. Afinal, ninguém “tem tempo para morrer”.

 

Entretanto, a morte não precisa de tempo nem de autorização de quem quer que seja para acontecer. E ela nos surpreende porque deixamos para trás as contas para pagar, a viagem para fazer, os planos e metas previamente estabelecidos. Para os que se acham insubstituíveis, é bom lembrar que o cemitério está cheio de pessoas insubstituíveis.  

 

A morte chega muitas vezes sem avisar, surpreendendo a todos. Muitas vezes dá sinais de sua presença, num processo longo de enfermidade ou no enfraquecimento natural do corpo. Ninguém tem tempo para a morte, mas ela não respeita a agenda cheia, os negócios importantes a realizar, a troca planejada do carro novo, os compromissos assumidos.

 

Como bem disse Toquinho:


“E o futuro é uma astronave

Que tentamos pilotar

Não tem tempo, nem piedade

Nem tem hora de chegar.

Sem pedir licença, muda a nossa vida

E depois convida a rir ou chorar.”