Ele não sabia como lidar com o silêncio e a distância emocional de seu pai. Sua mãe havia fugido de casa quando ele ainda era pequeno, deixando com o seu pai a desafiadora tarefa de cuidar dele. Apesar de nunca ter lhe faltado cuidado, seu pai nunca se interessou pelos seus problemas, e não procurava ninguém para conversar, nem tinha amigos. Sua rotina era basicamente ir para o trabalho repetitivo e mecânico de uma fábrica e colecionar moedas, único hobbie que possuía na vida. Seguia uma rotina sistemática e pesada, comendo as mesmas coisas, no mesmo horário, vestindo as mesmas roupas e saindo pontualmente de casa para o trabalho. Suas respostas aos estímulos externos eram monossilábicos e não demonstrava grandes alegrias ou tristeza.
A única possibilidade de manter
algum nível de diálogo com ele, era conversando sobre moedas. Ele tinha um bom
acervo delas e apesar de ser um homem simples, possuía um conhecimento
surpreendente sobre moedas raras, sobre as quais poderia discorrer com precisão.
Um dia, auxiliado por sua namorada que trabalhava na área da saúde, recebeu o
diagnóstico de que seu pai tinha Síndrome de Asperger. A rotina imutável, a inaptidão
social, a falta de interesse em outros temas além de moedas, o desejo de ficar
sozinho, apontavam para esta realidade. Enquanto pessoas comuns podem fazer
suas escolhas livremente, pessoas com esta doença parecem ser forçadas a viver
essa vida com opções pré-determinadas.
Este é o retrato de um
personagem do romance de Nicholas Sparks, Meu
Querido John. Algumas pessoas com Asperger tem um baixo QI, outros conseguem
viver tão bem em sociedade que dificilmente alguém saberá sua condição, outros precisam
ser internados. É possível ainda se tornarem prodígios na música ou na
matemática, e não raramente são consideradas tímidas ou retardadas. A Síndrome
de Asperger, embora parecida com autismo, pode ser resumida do seguinte modo:
uma pessoa com autismo vive em seu próprio mundo, enquanto uma pessoa com
Asperger vive no nosso mundo, do modo que ela escolheu.
Isto me desafia bastante
porque tenho observado que existem pessoas que desenvolvem esta espécie de “autismo
extrovertido”. Criam um mundo paralelo para si mesmos, e demonstram pouco
interesse no problema dos outros. São auto centradas e auto absorvidas, vivendo
numa realidade que escolheram para si de tal forma que mesmo quando estão em família
ou grupos sociais são incapazes de interagir. São distantes afetivamente por
causa de seu narcisismo ou egolatria. Na relação sexual não interagem, porque estão
tão preocupadas com seu orgasmo que são incapazes de amar ou se doarem.
Surge assim o problema do
diagnóstico: Até quando tais sintomas devem ser considerados enfermidade ou
egocentrismo? Desinteresse, desatenção, descaso ou doença? Egoísmo ou
patologia? Já vi caso de pessoas que estão
numa roda de conversa, mas nunca estão presentes, de pais que se encontram em
casa, mas não se relacionam com os filhos, de maridos e esposas que vivem seus
mundos e são alheios ao que acontecem ao redor.
Antes de considerar se você tem
mal de Asperger, seria interessante pensar se seu problema não é ausência de
afeto e de real interesse pelos outros. Admitir tal situação pode ajudá-lo a tratar
o grande problema da alma humana que é a indiferença.