sexta-feira, 4 de fevereiro de 2005

A festa dos foliões



Harvey Cox, intelectual e professor de Teologia na Harvard University, com quem tive o privilégio de estudar durante um semestre, escreveu um livro chamado "The feast of fools", no qual afirma que, durante a idade Média florescia, em algumas partes da Europa, um festival conhecido como A Festa dos foliões ou a Festa dos Loucos. Nessa manifestação colorida, usualmente promovida a primeiro de janeiro, até líderes religiosos geralmente piedosos e cidadãos ordeiros colocavam mascaras grotescas, cantavam insinuantes modinhas e, numa palavra, mantinham todo mundo em suspenso por suas sátiras e folias. "Durante a Festa dos Foliões, não havia costume nem convenção que não se expusesse ao ridículo, e até as personalidades mais credenciadas da região não conseguiam subtrair-se à sátira".
Lá, como cá, a Festa dos foliões usualmente desembocava em libertinagem descarada, razão pela qual sofria sempre criticas severas da liderança política e eclesiástica.
Carnaval, em nossa cultura, também tem este elemento desagregador e crítico, no qual, os valores culturais se subvertem. Torna-se uma forma de protesto, de crítica e questionamento do status quo. O problema, é que o carnaval facilmente torna-se um meio dos poderosos articularem a fantasia com a realidade para propósitos políticos e ideológicos, como afirma Chico Buarque:
"Meu Deus vem olhar,
vem ver de parte uma cidade a passar,
numa ofegante epidemia,
que se chamava carnaval.
Ah que vida louca Olerê,
Ai que vida louca Olará,
O estandarte do sanatório geral, vai passar".
O resultado: Carnaval se torna um hospício no qual o turismo passa a ser identificado com "mulatas esfregando o bumbum no nariz de estrangeiros". No qual a alegria, zombaria e a contracultura perdem espaço para a permissividade e para a fantasia, para a irresponsabilidade, descaso e descuido. As estatísticas são trágicas: O número de acidentes, as dores deixadas em lares cuja crise relacional se aguça, os relatórios policiais, tornam-se dramáticos. Certo médico afirmou que detesta dar plantão nesta época do ano, por causa das inevitáveis tragédias, brigas e arruaças.
O problema: A vida não é fantasia, nem um faz de conta. Não se pode ser folião para sempre. A folia pode ser também a loucura. A fantasia, quase sempre transforma-se em irrealidade. Não se pode brincar num baile de fantasia, acreditando que ele é permanente. Não se pode brincar com vida, sentimentos, valores morais e religiosos, com Deus, acreditando que este faz de conta nem conta faz, assim como não se resolve a dor da alma afogando a tristeza num copo e nas drogas.
Carnaval pode nos fazer perder a singularidade da alma, a leveza do ser, a alegria de Deus e a unidade familiar. Ray Charles afirmou: "viva cada dia de sua existência como se fosse o último, porque um dia você vai acertar" in Esquire

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