Eu era ainda um estudante na PUC-Rio quando uma colega perdeu seu filho de apenas dois anos num trágico acidente. O incidente atingiu em cheio toda turma chocada com a notícia. Perplexidade, emoções estremecidas, lágrimas, vozes embargadas pela dor. Um turbilhão de ideias vinha a nossa mente e os questionamentos, teológicos e indagações estavam presentes. Nossa fé e espiritualidade estavam sendo testadas no nível mais profundo. Como organizar a dor deste momento? Como lidar com as ambiguidades e paradoxos? Tudo era muito pesado.
Lembrando deste incidente, sou confrontado com a inquietante ordem de “dar graças em tudo.” A Bíblia não está dizendo que devemos dar graças “por tudo”, mas “em tudo”. Dar graças a Deus em tudo sugere gratidão em todas as circunstâncias, independentemente da natureza dos eventos, ainda que não estejamos felizes por aquilo que está nos acontecendo. É a capacidade de encontrar motivos para agradecer, mesmo em meio às dificuldades e sofrimentos. Dar graças “por tudo" coloca o foco nas coisas em si, enquanto "dar graças em tudo" coloca o foco em Deus. Dar graças “em tudo" aponta para o fato de que Deus pode transformar qualquer situação para o bem.
Dar graças em tudo não é um comportamento estoico de negar a dor. Nem mesmo fazer o jogo do contente, não significa negar as dificuldades ou fingir que tudo está sempre bem. Não é manter uma atitude utópica e ilusória de dizer que “não há dor.” A negação da dor não resolve a dor em si e pode ainda se tornar mais dramático pois podemos introjetar o sofrimento e adoecermos física e emocionalmente. A teologia cristã não afirma: “quem tem Jesus gosta de cantar, está sempre sorrindo mesmo quando não dá!” Diante da morte do amigo Lázaro, Jesus chorou. Ele não ignorou a dor.
"Em tudo dai graças" é um convite à gratidão constante, mesmo diante de situações desafiadoras. É um reconhecimento de que Deus está presente em todas as circunstâncias, mesmo quando não conseguimos compreender seus planos, e que Ele opera para o nosso bem. É uma atitude de fé e esperança que nos ajuda a viver uma vida mais plena de significado. Não é fácil dar sempre graças. Agradecer pelas coisas boas, um aumento de salário, uma conquista é fácil, mas agradecer sempre é desafiador. Basta olhar a realidade do nosso coração. Temos uma forte tendência à reclamação e murmuração, não à gratidão.
Não preciso dizer: “Que coisa maravilhosa, sofri um acidente de carro.” ou “obrigado Senhor pela tragédia!” Não se trata de masoquismo cristão. Não há nenhum prazer no sofrimento enquanto sofrimento. Mas podemos dizer: “Senhor, apesar da minha dor, eu sei que o Senhor me ama. Este momento de minha vida está muito difícil, e os fatos têm causado muita tristeza ao meu coração, mas eu te agradeço porque sei que, na sua sabedoria, o Senhor vai usar isto para tua glória e para o meu bem”. Neste caso, não estamos felizes com a dor, mas nos sentimos seguros no meio da dor porque sabemos que há um Pai amoroso e bondoso que cuida de nossa história, e que ele tem pensamentos de paz, e não de mal, para nossa vida.
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