Clarice Lispector afirmou que “O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar.” A ideia do óbvio é que a verdade é tão clara que nos saltam à vista e que todos são capazes de percebê-la nítida e distintamente, sem variações ou sombras de luzes, clara como o sol.
O grande problema é que as coisas nem sempre são tão claras para todos e o óbvio não é tão óbvio assim. Jesus afirmou que suas parábolas tão óbvias não eram tão claras a um determinado segmento: “É por isso que uso parábolas: eles olham, mas não veem; escutam, mas não ouvem nem entendem. “Cumpre-se, desse modo, a profecia de Isaías que diz: Quando ouvirem o que digo, não entenderão. Quando virem o que faço, não compreenderão. Pois o coração deste povo está endurecido; ouvem com dificuldade e têm os olhos fechados, de modo que seus olhos não veem, e seus ouvidos não ouvem, e seu coração não entende, e não se voltam para mim, nem permitem que eu os cure. Felizes, porém, são seus olhos, pois eles veem; e seus ouvidos, pois eles ouvem.” (Mt 13.13-16 NVT)
O que Jesus afirma é: “Não se esqueça do óbvio, embora o óbvio nem sempre seja óbvio.” O que para alguns é claro, nem sempre é para o outro. Muitas vezes não percebemos a miragem nos enganando, até vermos tudo dar errado.
O próprio Deus, Todo-Poderoso, não é óbvio, pelo menos para muitos. Podemos perceber isto na declaração de Jesus de que muitos ouviriam sua mensagem e não entenderiam. Tinham ouvidos para ouvir e não ouviam, tinham olhos para ver e não viam. O óbvio não era óbvio assim.
Alguns relatos bíblicos mostram-nos quão inusitado era a forma de Deus agir. Eliseu manda Naamã, comandante sírio, mergulhar sete vezes no Jordao. Ele fica indignado. Deus o mandou banhar num rio sujo para que reconhecesse sua arrogância. Antes de Lázaro morrer, Jesus recebeu a notícia de sua enfermidade, mas ao invés de sair depressa e curá-lo, esperou quatro dias, para ir ao encontro da família e ressuscitá-lo. Deus subverte a ordem. Despreza a obviedade.
No Magnificat, belíssimo cântico de Maria depois de receber a notícia dada pelo anjo de que ficaria grávida do Espírito Santo (isto também não é nada óbvio), ela afirma: “(Deus) Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos.” Isto é subversivo! Uma verdadeira desconstrução.
O óbvio é reconfortante. Dá uma sensação de ordem, controle e poder e traz alívio e satisfação, simplesmente porque nos fornece uma resposta às nossas dúvidas. Mas muitas vezes o óbvio começou a ser questionado para dar espaço à verdade. Por dois milênios as pessoas acreditaram que a terra era o centro do universo. Defenderam isso de forma filosófica, científica e até religiosa. Mas o óbvio não era verdadeiro.
Nestes dias de grandes manipulações jurídicas e chicanas forenses tão explícitas no cenário político, nunca ficou tão claro, como o óbvio pode ser deturpado por interesses e jogo de poder. A recusa pela verdade e o interesse pelas narrativas se tornaram armas de controle e manipulação. O óbvio está presente, mas ele nem sempre é óbvio.
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