quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

O Deus indomável


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Barbara Ehrenreich, autora da famosa obra Nickel and Dimed, escreveu suas memórias em “Miséria à Americana: vivendo de subemprego nos Estados Unidos” (Edit. Record, Rio, 2004). Numa de suas narrativas, descreve a experiência mística que transformou sua vida em Maio de 1959, aos 17 anos, quando começou a indagar sobre o sentido da existência humana e “o que estamos fazendo aqui e para quê”.

Criada por pais ateus, seus esforços para responder a estas questões eram estritamente racionalistas e ela foi atirada num atoleiro do solipsismo. “Numa rua deserta, pouco antes do amanhecer, encontrei o que quer que vinha procurando desde o início de minha busca. Foi uma experiência impossível de ser descrita. Nesse ponto saímos do domínio da linguagem onde nada resta senão murmúrios de rendição expressos em termos inefáveis e transcendentes”.

Ela continua: “Não houve visões, vozes proféticas ou aparições de animais totêmicos, apenas um esplendor por toda parte. Alguma coisa se derramava para dentro de mim e eu me derramava sobre essa coisa (...) era um encontro furioso com uma substância viva (...) Êxtase seria uma palavra boa para isso (...) pode se assemelhar a uma explosão de violência”. Diante disto pondera: “Ao em encontrar com este Outro misterioso (...) ainda poderia me considerar ateia?”

Este é o Deus do cristianismo. 

Um Deus indomável que não pode ser detido por poderes espirituais, conforme vemos a reação da simbólica figura do dragão descrita em Apocalipse 12 opondo-se ao nascimento do Messias, e a oposição violenta dos poderes políticos na pessoa de Herodes tentando matar todas as crianças da região de Belém. Ao mesmo tempo, porém, Deus é gracioso ao visitar os magos do Oriente para anunciar seu projeto, e aos esquecidos pastores dos arredores de Belém.

O Deus indomável é também gracioso e bom. 

Santo Agostinho fala do seu encontro com o Sagrado marcado pela união de amor e temor (Confissões, XI, 11).

O Deus indomável é acessível e se vulnerabiliza na pele de um frágil bebê, que é gerado no ventre de uma piedosa adolescente chamada Maria. O Deus dos cristãos é ao mesmo tempo indomável, mas gracioso, disponível e acessível.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Uma sociedade sem alma


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No dia 8 de abril de 1994, um eletricista acidentalmente descobriu um cadáver  em Seattle, Washington. Ao chamar a polícia, descobriu que se tratava de Kurt Cobain, a lenda do rock que cometera suicídio. Um tiro explodiu sua cabeça tornando difícil a identificação. Suas tentativas anteriores com overdose não foram bem sucedidas.

Ele era um talentoso guitarrista da banda Nirvana, cujo álbum Nevermind vendeu 10 milhões de cópias. Mangalwadi afirma que nenhuma banda capturou tão bem a perda de rumo, de centro e de alma de sua geração quanto esta. O termo nevermind significa, “não se preocupe!” e Nirvana é a palavra budista para salvação. Significa a extinção permanente da existência de um indivíduo, a libertação da nossa alma da miséria e vazio.

É interessante perceber que antes da década de 1960, praticamente não havia suicídio entre os adolescentes, mas em 1980, cerca de 400 mil adolescentes tentavam o suicídio a cada ano, apenas nos EUA, tornando-se a segunda causa de morte entre os adolescentes, perdendo apenas para o trânsito, e em 1990, tornou-se a terceira causa, porque os adolescentes estavam matando uns aos outros assim como se matavam.

A taxa de suicídio, homicídio, abuso de drogas, alcoolismo, evasão escolar tem sido marcante entre os jovens também no Brasil. Em 2017, cerca de 60 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, e 80% destas mortes se deram entre 15 e 27 anos.

O divórcio de seus pais quando Cobain tinha apenas 9 anos de idade, teria sido o gatilho para sua desestrutura psíquica. A instabilidade de sua família produziu uma ferida tão grande na alma que não seria curada pela música, pela fama, dinheiro, sexo, drogas e álcool, nem por terapias ou programas de desintoxicação. Ele adotou o vazio filosófico e moral que a banda AC/DC, chamaria de “estrada para o inferno”.

Os discos de Cobain foram populares até 2008 e venderam mais que os de Elvis Presley. Em 2002, alguns anos após sua morte, sua viúva vendeu os rascunhos de seus diários por  4 milhões de dólares. Neles estava escrito: “Gosto de Punk rock. Gosto de drogas (mas meu corpo e minha mente não permitem usá-las). Gosto de jogar cartas de modo errado. Gosto de sinceridade. Não tenho sinceridade...Gosto de reclamar e de não fazer nada para que as coisas melhorem”.

Ao se matar, Cobain viveu conforme o que creu. Ele compreendeu que o nada, como realidade última, faz do nada algo positivo.

O problema da humanidade nunca foi ético, mas filosófico (prefiro o termo teológico, porque se conecta à experiência de Deus e do Infinito). A ausência de uma referência de sentido, esvazia a alma humana, jogando-a no caos. O livro de Eclesiastes afirma, “Deus pôs a eternidade no coração do homem”. Este anseio infinito pelo sentido e valor da alma que se distanciou do seu Criador, não será preenchido por nada, senão o próprio Deus. Afinal, “o homem tem um vazio em forma de Deus” (Pascal).

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Solidão custa caro!


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A solidão é considerada como um flagelo oculto da vida moderna. O conhecido professor da Universidade Harvard, Robert Waldinger afirma que “A solidão mata. É tão forte quanto o vício em cigarros ou álcool”, outros estudos afirmam que o grande problema do ser humano não é o colesterol aos 50, mas a ausência de relacionamentos significativos aos 50. 

Para Waldinger, o fator “relacionamento é o mais importante para a felicidade”. "O que descobrimos é que, no caso das pessoas mais satisfeitas em seus relacionamentos, mais conectadas ao outro, seu corpo e cérebro permanecem saudáveis ​​por mais tempo", afirma o acadêmico americano. Por isto precisamos prestar mais atenção nos nossos próprios relacionamentos, não só em casa, mas no trabalho e na sociedade. “"A tendência é nos isolarmos, ficar em casa para ver televisão ou nas redes sociais. Mas, na minha própria vida, eu percebi que sou mais feliz quando não estou fazendo isso".

Pesquisadores avaliaram que a força dos relacionamentos reduz a necessidade de vícios e freiam a degeneração mental durante a velhice. A chave para a velhice saudável são os relacionamentos.

O governo britânico foi além. Resolveu criar o “ministério da solidão”, e não fez isto por sensibilidade emocional e boa vontade política, mas porque, do ponto de vista financeiro, solidão custa caro! Recentemente foi nomeada uma ministra para tratar destes assuntos, e nas feiras livres do país é comum encontrar pessoas assalariadas pelo governo, cuja função é servir de “conectores comunitários”. Estima-se que a metade das pessoas de 75 anos ou mais – que são cerca de 2 milhões no Reino Unido – vivem sozinhas, muitas delas sem se relacionar com outras pessoas durante dias, inclusive semanas, e afeta mais de 9 milhões de britânicos. O objetivo é combater a solidão no país, problema associado a demência, mortalidade prematura e pressão sanguínea alta. Um relatório divulgado no ano passado indicou que o impacto negativo da solidão sobre a saúde pode ser semelhante ao de fumar 15 cigarros por dia.

Entre muitos fatores dois cooperam tremendamente para a solidão. Primeiro, a condição financeira. Pessoas ricas embora sejam cortejadas e admiradas, vivem vida mais solitária, pois se relacionam geralmente com as pessoas de forma burocrática e funcional. Michael Jackson certa vez declarou que era “a pessoa mais solitária do mundo”.

Outro fator, é o distanciamento comunitário. A Inglaterra sempre foi um país com forte experiência religiosa. Cultos, missas, encontros de igreja e associações, tendem a unir pessoas e quebrar a solidão. Centros comunitários, atividades em comum, solidariedade e envolvimento em projetos sociais nos livram da armadilha de uma vida ensimesmada e solitária.

Scott Peck, conhecido psiquiatra americano, relata em seu livro “The different drum”, sua própria solidão, e como seu envolvimento em uma comunidade cristã em Connecticut o livrou do solitário desespero. Por isto, sua primeira frase neste livro é: “Em comunidade encontra-se nossa esperança”.