O
Brasil tem a fama de ser um povo pacato, que não gosta de brigas, cordato,
gente boa. Nem a “independência” de Portugal foi feita com sangue e suor como
os outros povos, mas através de conchavos, negociatas de imperadores e transações
comerciais nesta trama pavorosa. Contudo, os números recentes sobre homicídios
no Brasil não apontam na direção de um povo pacato, mas de uma sociedade
silenciosamente violenta.
O
anuário brasileiro de segurança pública trouxe dados aterradores sobre 2012.
Nada menos que 50.180 crimes violentos e letais, entre eles, homicídios,
latrocínios, lesões corporais seguidas de morte foram cometidos, de acordo com
a estatística oficial. Isto sem
contar os 19.209 homicídios culposos no trânsito; 190.322 roubos de veículos;
1.087.059 roubos em geral e 50.617 estupros (18% a mais que 2011).
Nossos
indicadores econômicos estão melhorando, mas a violência não diminui. Sem falar
das formas sutis de violência como o machismo, o desrespeito aos pobres e
idosos, a violência no trânsito. Toda esta situação aponta para o coração
humano: Alguma coisa não vai bem com a alma humana. Temos uma tradição de
passividade e sossego, mas estamos em guerra no coração, e isto se reflete nos
relacionamentos. A violência não é um ato fortuito, acidental e gratuito. Precisamos
ter “cuidado com a paz armada e a guerra fria”.
Em
1992 Arnaldo Jabor publicou o ensaio “O Brasil choca o ovo da jibóia” (Jornal
Folha de S. Paulo 1/11/92) Nele afirma que “A riqueza não olha a miséria, mas a
miséria olha a riqueza”. Jabor faz o elogio dos meninos do arrastão que
estariam indo à luta, querendo melhorar o Brasil, o Brasil deles. Afirma ainda
que “há um outro Brasil, um Brasil de psicanalistas, artistas, filósofos, que
vive abstratamente do mal-estar da impossibilidade”. Para Jabor, Brasil
concreto é menino cheirando cola na Praça da Sé.
O
fenômeno do Black block, dos mascarados
na rua demonstra esta violência interior. Neste movimento temos um misto de
protesto, criminalidade e baderna e isto revela a desesperança e frustração
presentes. É uma forma severa de violência. Boa parte não sabe sequer porque se
quer lutar, apenas deseja lutar.
A
violência assume roupagens complexas e se manifesta de forma brutal. Ela revela
a fragmentação das famílias, a ausência de parâmetros e relações
significativas; a brutalidade de um “embargo
infringente”, ou “embargo indecente”.
A violência se constrói numa sociedade de desigualdades e na perda de referências
éticas, familiares e espirituais. Em 1933, em resposta a uma carta de Einstein,
Freud escreveu em Por que a guerra:
“a guerra nos despoja dos acréscimos ulteriores da civilização e põe a nu o
homem primitivo que há em cada um de nós”.
No
Brasil de hoje, com este número alarmante de homicídios, arrastões, depredações
e saques, não estaríamos assistindo a uma busca desesperada e maciça de
apropriação de algo próprio, de uma identidade perdida? Uma busca por um
sentido maior, que preencha a difusa angústia da alma? Um simbólico? Por um
ponto infinito que em última instância se chama Deus?
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