quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Pessoas e coisas



“Deus fez o dinheiro para a gente usar, as pessoas para amar e Ele existe para que o adoremos; no entanto, usamos as pessoas, amamos o dinheiro e construímos os próprios ídolos para diante deles nos curvarmos”.
Kavanaugh chama esta lógica de “aspectos idolátricos do padrão utilidade”. O resultado deste padrão é a coisificação de pessoas e a confusa relação com valores. O marketing opera na dinâmica de produto/consumo, e assim somos transformados em objetos, seres utilitários, quantitativamente mensuráveis, avaliados por preço e facilmente substituíveis e descartados. O resultado visível disto é a obsolescência industrial, que se desloca para os relacionamentos.
Assim, afirma Kavanaugh, “tornamo-nos peritos não no poder das relações humanas, nem no amor que dá a vida, mas no poder da influência, da violência, da defesa pessoal... os bens, que aliás poderiam ser expressões de nossa humanidade e elevar-nos como pessoas, transformam-se em objetivos últimos. Então, nossa existência consiste em possuir. Nossa felicidade é possuir mais”.
Neste processo consumista e mercadológico, adoecemos. Não conseguimos tratar as coisas como coisas, mas mantemos com elas uma relação de afeto; não conseguimos tratar as pessoas como gente, mas mantemos com elas uma relação utilitarista. Assim surge a manipulação, o controle e a violência é legitimada. Não a violência escancarada, mas sutil, que opera no nível do descaso, da indiferença e da apatia. Ignoramos àqueles que não são produtivos. Surge assim a violência profunda, porque camuflada e silenciosa, por detrás de gestos políticos, calculados e frios. O outro torna-se cliente e consumidor e não amigo, ser de relações e afetos. Nos comportamos como coisa e nos relacionamos com os outros como coisas.
Desta forma surgem as relações coisificadas e mecânicas, e nesta dinâmica, a genuína dimensão afetiva se perde e nossas vidas se tornam inviáveis, ficamos peritos não em relacionamentos genuínos, nem no amor que dá a vida, mas no poder da ideologia, do marketing, da influência, do mercado, da instituição ou até mesmo da própria fé. Até a religião tem o poder de se transformar em meretriz e as pessoas serem comercializadas, consumidoras e consumidas.

“Ter cada coisa no seu lugar e ter lugar para cada coisa; eis o segredo da ordem e da economia” (Fénelon). Mais do que isto, porém, é tratar as coisas como coisas (relação de uso/consumo); tratar pessoas como seres criados à imagem de Deus (relação espiritualidade/afeto) e tratar Deus como Deus, não mercantilizá-lo como se fosse possível (relação adorador/Divindade). Este é o segredo da vida.

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