domingo, 11 de junho de 2023

Verdade e Narrativa

  



 


 

Recentemente, o mundo ficou surpreso e chocado com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No encerramento da Cúpula dos Presidentes da América do Sul, realizada no último dia 30 de maio em Brasília, Lula afirmou que uma narrativa colocou o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez como um “demônio” e que o mesmo teria acontecido com ele durante a Operação Lava Jato. Na opinião de Lula, ambos teriam sido injustamente condenados.

 

Ao falar de “narrativa”, o que Lula quis dizer? Ora, que tudo o que aconteceu na Venezuela nos últimos dez anos - a grave crise econômica que reduziu o PIB do País em mais de 75%, gerou hiperinflação e provocou a migração massiva de venezuelanos, teria sido apenas uma forma de denegrir o País.

 

Na visão do presidente brasileiro, tudo o que se tem dito nada mais é que uma ficção bem articulada de grupos de direita para demonizar a esquerda. Ele reiterou que o mesmo ocorreu com ele. Uma “fábula” teria sido construída em torno de sua biografia para culpá-lo de algo que ele não fez. Assim, mensalão e petrolão jamais teriam existido. Tudo não passaria de mera ficção, de acordo com Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Bem, anteriormente ele já havia se comparado com Jesus Cristo. Em setembro de 2016 Lula falou que, em quesito de honestidade, teria uma história pública conhecida. "Acho que só ganha de mim, aqui no Brasil, Jesus Cristo. Só", disse ele. Em sua visão, tanto Jesus quanto ele, Lula, teriam sido injustamente condenados.

 

Qual é o perigo de confundir verdade com “narrativa?”  Há uma célebre frase do ministro da propaganda na Alemanha nazista - Joseph Goebbels - que nos ajuda a entender os motivos: "Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade". Minimizar a verdade, suprimir a verdade, esconder a verdade são estratégias políticas e religiosas malignas utilizadas no decorrer da história para manipular os fatos.

 

As afirmações recentes de Luiz Inácio surgem em um contexto pluralista e relativista que defende não existir verdade. Assim, a verdade deixa de ser o que é, como na definição socrática, e se torna o que dizemos ser ou mesmo o que desejamos que ela seja. Essa é a visão hegeliana, que sustenta a relativização de todas as coisas, para a qual não há absolutos e tudo depende do ponto de vista.

 

A questão, portanto, é mais que política. É filosófica e religiosa. Verdade é algo palpável, real, que pode ser averiguado.  Verdade não é o que achamos ou afirmamos ser. Verdade é o que é. Nada pode ser mais demoníaco que relativizar a verdade. Jesus afirma que Ele é a verdade e que “o diabo é o pai da mentira”. Para ele, a verdade é objetiva, pode ser analisada, desmentida, denunciada. Para Jesus a verdade não é subjetiva, pois não depende do que queremos que ela seja.

 

Narrativa é a interpretação tendenciosa e maligna que os homens fazem dos fatos. Verdade é o que de fato aconteceu. Não se trata de uma interpretação, nem de uma distorção. Este é um dos grandes desafios filosóficos que temos em épocas de subjetivismo e relativismo tão pulsantes. 

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Sentido e propósito

 


 

Numa recente entrevista a empresários árabes, Ellon Musk afirmou que muito breve teremos o grande desafio social do desemprego em grande massa, porque precisaremos cada vez menos de mão de obra direta e as máquinas farão melhor e com mais eficiência as tarefas manuais nas áreas industriais, pesquisas, agronegócios. Haverá abundância de produção através de tecnologia e pesquisa e os alimentos poderão ser produzidos bem mais baratos.

 

Ele acredita ainda que será necessário encontrar uma política que ele chama de “basic income” (salário básico), para que as pessoas desempregadas recebam salários já que não haverá emprego para todos, mas ainda assim haverá aumento de produção de riquezas e bens com a automação. As máquinas poderão fazer quase tudo.

 

Musk, entretanto afirmou, que o desafio maior não será o da sobrevivência, mas de sentido: Para muitos o valor pessoal deriva do emprego e daquilo que fazem. Se não houver emprego, de onde virá o sentido? As pessoas poderão perder o significado de viver. Este é o grande desafio!

 

Talvez esta hipótese levantada por Musk ainda demore, ou se trate apenas de uma utopia, entretanto, pode ser que estejamos mais perto desta realidade que imaginamos. Então, é urgente e necessário refletir sobre sentido e propósito.

 

Tyler Durden, controvertido personagem do “Clube da Luta”, afirma em um de seus diálogos: “Somos uma geração sem peso na história. Sem propósito ou lugar. Nós não temos uma Guerra Mundial. Nós não temos uma Grande Depressão. Nossa guerra é espiritual. Nossa depressão, são nossas vidas. Fomos criados através da TV para acreditar que um dia seriamos milionários, estrelas do cinema ou astros do rock. Mas não somos.”

 

Não estou muito certo do que ele quis dizer com “nossa guerra é espiritual.” Mas eu acredito que é exatamente este o ponto central da vida. Se preferir pode chamar também de guerra existencial. Qual é o ponto central da vida? Para que nascemos e existimos? Para onde estamos indo? O que é realmente importante?   Falta-nos propósito e identidade que só pode ser encontrado quando existe uma referência, como afirmou Sartre: “Nenhum ponto finito faz sentido sem um ponto infinito.”

 

Para Sartre, filósofo, o ponto de partida é a consciência, o ponto fixo que Arquimedes procurava. Entretanto, sinto-me seguro ao afirmar que se trata de um sentido eterno, que eu chamo de Deus. Como afirmou Agostinho: “Fomos criados para Deus, e nosso coração nunca encontrará sentido fora de Deus.” Precisamos sim, de sentido e propósito, mas este sentido não se encontra em nós mesmos, ele é transcendental, e nos aponta para o ponto infinito, para o Eterno.

O óbvio nem sempre é óbvio



 

Clarice Lispector afirmou que “O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar.” A ideia do óbvio é que a verdade é tão clara que nos saltam à vista e que todos são capazes de percebê-la nítida e distintamente, sem variações ou sombras de luzes, clara como o sol.

 

O grande problema é que as coisas nem sempre são tão claras para todos e o óbvio não é tão óbvio assim. Jesus afirmou que suas parábolas tão óbvias não eram tão claras a um determinado segmento: “É por isso que uso parábolas: eles olham, mas não veem; escutam, mas não ouvem nem entendem. “Cumpre-se, desse modo, a profecia de Isaías que diz: Quando ouvirem o que digo, não entenderão. Quando virem o que faço, não compreenderão. Pois o coração deste povo está endurecido; ouvem com dificuldade e têm os olhos fechados, de modo que seus olhos não veem, e seus ouvidos não ouvem, e seu coração não entende, e não se voltam para mim, nem permitem que eu os cure. Felizes, porém, são seus olhos, pois eles veem; e seus ouvidos, pois eles ouvem.” (Mt 13.13-16 NVT)

 

O que Jesus afirma é: “Não se esqueça do óbvio, embora o óbvio nem sempre seja óbvio.” O que para alguns é claro, nem sempre é para o outro. Muitas vezes não percebemos a miragem nos enganando, até vermos tudo dar errado.

 

O próprio Deus, Todo-Poderoso, não é óbvio, pelo menos para muitos. Podemos perceber isto na declaração de Jesus de que muitos ouviriam sua mensagem e não entenderiam. Tinham ouvidos para ouvir e não ouviam, tinham olhos para ver e não viam. O óbvio não era óbvio assim.

 

Alguns relatos bíblicos mostram-nos quão inusitado era a forma de Deus agir. Eliseu manda Naamã, comandante sírio, mergulhar sete vezes no Jordao. Ele fica indignado. Deus o mandou banhar num rio sujo para que reconhecesse sua arrogância. Antes de Lázaro morrer, Jesus recebeu a notícia de sua enfermidade, mas ao invés de sair depressa e curá-lo, esperou quatro dias, para ir ao encontro da família e ressuscitá-lo. Deus subverte a ordem. Despreza a obviedade.  

 

No Magnificat, belíssimo cântico de Maria depois de receber a notícia dada pelo anjo de que ficaria grávida do Espírito Santo (isto também não é nada óbvio), ela afirma: “(Deus) Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos.” Isto é subversivo! Uma verdadeira desconstrução.

 

O óbvio é reconfortante. Dá uma sensação de ordem, controle e poder e traz alívio e satisfação, simplesmente porque nos fornece uma resposta às nossas dúvidas. Mas muitas vezes o óbvio começou a ser questionado para dar espaço à verdade. Por dois milênios as pessoas acreditaram que a terra era o centro do universo. Defenderam isso de forma filosófica, científica e até religiosa. Mas o óbvio não era verdadeiro.

 

Nestes dias de grandes manipulações jurídicas e chicanas forenses tão explícitas no cenário político, nunca ficou tão claro, como o óbvio pode ser deturpado por interesses e jogo de poder. A recusa pela verdade e o interesse pelas narrativas se tornaram armas de controle e manipulação. O óbvio está presente, mas ele nem sempre é óbvio.

 

 

 

Nunca desperdice uma boa crise

 



 

A frase “nunca desperdice uma boa crise” é atribuída a Winston Churchill, ex-primeiro-ministro do Reino Unido. O economista, Ricardo Amorim, gosava de usá-la para demonstrar que a crise nada mais é do que uma “oportunidade de consertar algo que precisa ser consertado”.

 

A vida é cheia de surpresas, de altos e baixos. não existe uma situação na qual você possa viver sem sobressaltos. As surpresas virão, algumas positivas outras negativas. A vida é feita de solavancos e repleta de situações inusitadas. Todos invariavelmente precisam enfrentar tais circunstâncias. Nunca desperdice uma boa crise, ela sempre poderá nos ensinar muito se dela precisarmos.

 

Quando uma crise surgir, tente olhar por detrás das linhas picotadas e das rasuras: o que posso aprender neste momento? Algumas das boas descobertas de grandes homens se deram no meio da perda. A humanidade sempre avançou diante dos desafios históricos que enfrentou. Tempos de bonança nem sempre geram grandes insights, afinal “carro apertado é que canta.”

 

É conhecida a frase de C. S. Lewis: “Não desperdice suas lágrimas.” Em outras palavras, não chore por chorar. Curiosamente quando Jesus lida com sua grande provação, antes de ser levado para ser crucificado, tomou o pão e o vinho e agradeceu. Como é possível agradecer a Deus diante daquilo que representa seu sofrimento? O ponto central é que para Jesus o sofrimento não era mero sofrimento. Ele tinha um propósito, um sentido. As coisas não acontecem por acaso, elas possuem significados. Existem coisas que só conseguimos ver no meio da tempestade, com os olhos marejados de lágrimas. Os dias de calmaria não são capazes de aprofundar nossa compreensão de nós mesmos e do mundo. A dor nos torna humanos.

 

Provavelmente a crise do coronavírus tenha sido uma das mais desafiadoras dos últimos anos. O mundo foi colocado de cabeça para baixo. A forma de fazer as coisas teve que ser reinventada. Crises têm o efeito natural de sacudir as pessoas e organizações de sua complacência, criando oportunidades para desafiar a sabedoria convencional e dar aos líderes espaço para mudanças transformadoras em seu campo. Muitos souberam aproveitar este momento, aprender grandes lições e recriar com muita imaginação, aproveitaram o caos e cresceram no meio dele. Ao invés de ficarem chorando pelas perdas, souberam tirar proveito dela. Não desperdiçaram a crise. 

 

Crise é a junção de duas palavras em chinês: Oportunidade e risco. Ela nos ajuda a repensar o modelo das nossas organizações e alinhá-lo à nova realidade. Crise também nos ajuda a realinhar prioridades pessoais, considerar valores realmente significativos e redirecioná-los a uma nova etapa e um novo momento de nossa vida. A crise pode surgir de uma falência, de um relacionamento quebrado, de doença ou luto na família, de uma enfermidade pessoal. Ao invés de nos vitimizarmos, e sermos consumidos pela raiva e tristeza, precisamos lutar contra a depressão, a angústia e o medo e nos perguntarmos: Como esta crise pode me tornar mais humano, e me ajudar a realmente reter aquilo que de fato interessa. Não desperdice, portanto, uma crise.