Morando nos EUA, nos mudamos para
uma casa onde um casal vivera por quase 40 anos. Ele era exímio carpinteiro e
extremamente habilidoso com as tarefas de sua casa e morreu num súbito infarto
e sua esposa decidiu que não deveria permanecer mais naquela casa com tantas
memórias e não deveria morar sozinha.
No dia da entrega das chaves, ela
estava presente e nos deu todas as orientações sobre os registros, limpeza do
aquecimento, manutenção do fogão e da máquina de lavar louças e de algumas
plantas que ficavam. Ela era muito simpática e decidiu nos dar pessoalmente as
dicas. Algo inusitado, porém, aconteceu quando, já na sala, se despedindo,
confusa se virou para minha esposa e pediu que a ajudasse a sair da casa. Minha
esposa pensou que tivesse entendido mal o seu inglês, mas logo observou que ela
estava psicologicamente abalada e obnubilada ao se deparar com o fato de que
não voltaria mais àquele ambiente de tantas memórias. Ela perdeu a noção do
espaço e da porta de saída. Atenciosamente minha esposa deu-lhe a mão e a
conduziu até o carro, onde sua filha a esperava para irem embora.
Ao pensar neste incidente,
observo como é difícil superar etapas e ciclos da vida. Imagine um professor
que depois de 25 anos numa mesma escola chega a hora de se aposentar e despedir-se
da sua sala de aula; ou um funcionário que serviu a mesma empresa por anos, e
precisa abandonar sua mesa; ou um idoso que precisa morar com seus filhos e
deixa a sua casa porque a idade não lhe permite mais morar sozinho, deixando
seus velhos móveis que faziam sentido para ele mas não podem ser levados onde
vão morar.
Um dia, mais cedo ou mais tarde,
chega a hora de sair. A história vira a página. Estamos preparados? A saúde é
imprevisível e pode nos obrigar a mudanças radicais; uma falência, acidente ou
desequilíbrio financeiro podem reduzir drasticamente as condições de auto
manutenção e nos obrigar a morar com os filhos ou num asilo. Estamos preparados
para tais mudanças previsíveis ou não? Prontos para sair? E o mais desafiador
ainda: A vida é tão transitória e temporal, estamos preparados para a
eternidade?