Um
dos sete pecados capitais da teologia cristã clássica é a gula. O descontrole
sobre o apetite que leva a pessoa a comer exageradamente. Nos mosteiros, onde
se buscava uma vida simples e pura, recomendava-se a frugalidade e o jejum,
formas de combater o ímpeto do exagero na alimentação. São Jerônimo, que fez a
famosa tradução bíblica da Vulgata Latina, morreu com mais de 90 anos,
trabalhando diariamente, e comendo pequenas porções praticamente à base de água
e pão.
Gula,
porém, tem outros graves derivativos, saindo da esfera simples da comida. Ela
pode ter variáveis como desejo insaciável por compras, aquisições, vícios em
shoppings, ter mais, comprar cada vez mais coisas que não precisamos, com
dinheiro que não temos, para impressionar pessoas que não gostam de nós. É a
voracidade do consumo.
A
gula pode também se tornar voraz quando se dirige aos prazeres sexuais, ânsia
de conquistar, seduzir. Nesta área, também, a gula pode se tornar assustadora,
gerando obsessões incontroláveis e taras. Como a gula é voraz, sua
característica central é a insaciabilidade. E assim, como uma droga, ao nos
tornarmos dependentes, buscamos doses cada vez mais forte na vã tentativa de
satisfação e saciedade.
A
voracidade pode se voltar para posses e bens. Neste caso, o que se busca não é
apenas o consumo, mas o acúmulo de propriedades, e os tolos “brinquedos” vão se
sofisticando e ficando mais caros, mas o coração continua vazio.
Isto gera distorções sociais graves como a exploração do ser humano e a
desonestidade, mas a maior distorção ocorre, na verdade, dentro da alma que se
coisifica e instrumentaliza outros para seus objetivos. A pessoa se torna
obcecada por bens, contudo, como em todas as áreas da vida, “mais da mesma
coisa nos leva para o mesmo lugar”: o vazio, isolamento e a falta de sentido
são os subprodutos mais evidentes.
Para
romper com a voracidade, precisamos ser contraintuitivos: “Não faça aquilo que
você deseja fazer, mas faça o oposto”. Se o seu problema é a
voracidade por comida, obrigue-se à frugalidade, abstinência e
jejum. Se sua obsessão é sexual, exercite-se na pureza e fidelidade, caso
contrário você se torna um monstro de olhos verdes. Se seu problema é consumo,
aprenda a doar ao invés de acumular. Doe generosamente para pessoas
necessitadas, obras sociais e comunidades saudáveis. Se o seu lado voraz te
instiga a ter mais posses, aprenda a desfrutar mais o que você tem e a ser mais
generoso.
Voracidade
é mortal, dominadora e quase incontrolável. Estar consciente de suas armadilhas
e poder, nos liberta para um viver mais pleno.
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