quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Ponto cego



Quando recebemos aulas de direção, somos advertidos quanto ao “ponto cego” do carro. Existe um determinado ângulo no retrovisor que nos impede de ver o veículo ao lado, e uma manobra descuidada pode ser fatal, é o “canto cego”. Pessoalmente já me livrei de um acidente deste, por pura perícia do motorista do carro ao lado, já que, descuidadamente virei à direita sem perceber sua aproximação. Para evitar acidentes, recomenda-se que, além de olhar no retrovisor, é preciso virar a cabeça e dar uma rápida olhada para o lado.

O “ponto cego” aplica-se também à vida. 
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Um garoto foi apanhado roubando o lápis de um colega da escola. O diretor levou isto a sério, chamou o pai para uma conversa e disse que a disciplina poderia ser suspensão ou expulsão da escola. O pai olhou bravo para o filho e perguntou: -“Por que você fez isto. Você sabia que não deveria ter roubado o lápis?”. E o garoto, encolhido se justificou: - “Porque os meus tinham acabado”, e então o pai lhe disse: - “Filho, porque você não me falou? Você poderia ter usado os lápis que eu pego no escritório”.

Percebem a lição? O filho estava sendo julgado por um comportamento que o pai praticava costumeiramente, sem perceber que era errado. Podemos facilmente repreender outros por atitudes que praticamos, e não necessariamente por hipocrisia (o que também pode acontecer), mas por causa destes lados obscuros da alma que não somos capazes de julgar corretamente.

A famosa Janela Johary fala que todos temos áreas escuras (que nem nós nem os outros percebemos); áreas escondidas (nós sabemos e os outros não); as áreas obscuras (não sabemos, os outros sim) e áreas iluminadas (nós e os outros temos consciência delas). Quando mais consciência tivermos, mais justos e íntegros seremos. 

Nem sempre o ponto cego é perceptível e isto pode causar muitas tragédias e dores. 

Jesus criticou a atitude dos “guias cegos”, que coavam o mosquito e engoliam o camelo, que se mostravam belos por fora, mas interiormente estavam cheios de ossos de mortos e de toda imundícia!

Há um provérbio japonês que diz: “O olho pode ver tudo, menos seus cílios”. A vida está cheia de pontos cegos, e muitas vezes somos incapazes de perceber o próprio erro, mas lamentavelmente continuamos julgando e criticando os outros.

Abraham Lincoln afirmou: “Antes de começar a criticar os defeitos dos outros, enumere ao menos dez dos teus. Para você que está chegando agora, criticando o que está feito, deveria estar aqui na hora de fazer. Não sejas um especialista em usar a crítica ao que está feito como pretexto para nada fazer. Assina, aquele que fez, quando no momento de fazer, não sabia-se como”.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Slow food!

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Desde a década de 80, a sociedade ocidental tem adotado o estilo fast food (comida rápida), que ironicamente tem sido mais fast e cada vez menos food. As vantagens são interessantes: Não temos tempo para preparar, parar, conversar ao redor da mesa, e a gordura saturada possui um sabor muito adequado ao paladar. Além do mais, este tipo de alimentação vem quase pronta, com preço acessível e parece responder à questão do imediatismo moderno.

No entanto, pesquisadores estão questionando cada vez mais os riscos de se comer em pé, apressadamente, comidas pré-preparadas, já que esta atitude e este tipo de alimentação comprovadamente trazem sérios danos à saúde física; mas na geração apressada, com enorme senso de urgência, os esforços tem sido desestimulantes da parte das autoridades, médicos, e instituições que se preocupam com isto.   

Uma nova onda, naturalista, porém, está em franco crescimento. Trata-se do slow food (comida lenta), defendendo que comer não é apenas o ato de saciar a fome, mas há alguns ritos implícitos e salutares em se assentar ao redor da mesa, sem presa, conversar e aguardar os processos nos quais o alimento vai sendo lentamente preparado. Por esta razão sempre comenta-se sobre o sabor da comida da mamãe, que parece ser a melhor comida do mundo, e em certo sentido, isto é verdade. Talvez haja alguns elementos como o riso e a celebração, pessoas amadas, transformem o sabor do alimento.

Meus dois filhos moram em outras cidades. Um no Brasil e outro nos EUA. Quando eles chegam de viagem, naturalmente os convidamos para sair e almoçar fora, mas certamente o melhor prato não é comido nos bons restaurantes que temos na cidade, e sim quando todos decidimos preparar, juntos, a comida, a mesa, os pratos, e ficamos juntos conversando e trocando experiências. O ato demorado de se preparar a comida, e cada um é expert em preparar certos pratos, transforma o ato de comer num encontro excepcional.

Minha filha gosta de preparar comida mexicana, meu filho é expert em assar picanha, minha nora gosta de fazer risoto, minha esposa é especialista em pratos caseiros, gosto de fazer uma costela aprendida com meu sogro, e as receitas são assim compartilhadas e os pratos são devorados com um senso de reverência e alegria. Experimenta-se sacralidade e eucaristia ao redor da mesa, contando casos, lembrando histórias, preparando saladas, lavando vasilha, e tudo é participativo.

O alimento, no conceito da ancestralidade e na experiência tribal, sempre foi um evento comunitário, com efeito sociológico em cada cultura específica. Por isto nos recordamos das cenas recorrentes nos filmes que resgatam esta dimensão antropológica. Come-se devagar, gasta-se tempo ao redor da comida, conversa-se muito, reparte-se a comida, decide-se e celebram juntos. Isto não é possível com o sanduiche apressado na mão, conversando pelo telefone, andando pelas ruas ou em pé diante do balcão, acreditando que parar e comer é um atraso na produtividade e efetividade profissional. Pelo contrário, seremos mais saudáveis e certamente mais efetivos, se entendermos que a comida é melhor, quando não estamos escravizados pela tirania do urgente.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Dúvida como expressão de fé

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Ao ler os Evangelhos observamos que poucos dos que andaram ao lado de Jesus demonstraram fé inabalável. João Batista, na hora da crise titubeou; Pedro o negou; Judas o traiu; Tomé não acreditou quando lhe falaram da ressurreição; os demais discípulos não acreditaram no relato das mulheres que foram as primeiras testemunhas de que ele havia saído do túmulo para a vida. A maior censura de Jesus aos discípulos foi quanto à “falta de fé”. Os fieis nem sempre se mantiveram firmes na hora da provação.

Observa-se uma lógica inversa: Aqueles de quem se esperava fé ousada e profunda, muitas vezes estavam inseguros e pusilânimes, enquanto os que viviam perifericamente o ciclo da espiritualidade, revelaram profunda intrepidez e segurança. Em outras palavras, os “crentes” descriam e os “incrédulos” afirmavam sua fé.

No relato do centurião romano, militar estrangeiro invasor, que fazia parte da cúpula dominante da Judeia, pediu que Jesus orasse pelo seu servo enfermo e quando ele se dispôs a encontrá-lo ouviu deste militar uma declaração tão surpreendente que Jesus afirmou: “Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como essa”. A surpresa talvez se desse porque como estrangeiro era pouco provável que tivesse uma fé grandiosa.

Outra mulher cananéia, também estrangeira, mostra uma fé tão firme que Jesus afirmou: “Ó mulher, grande é a tua fé!”. Parece que os “estrangeiros e distantes”, eram capazes de reconhecer o Messias e demonstrar sua fé de uma forma tão espontânea que tais histórias se tornam ameaçadoras para nós, supostamente os que cremos.

Tenho encontrado muitos “crentes incrédulos” na minha caminhada, ao mesmo tempo, muitos “ateus crentes”. Na verdade ainda não encontrei nenhum ateu que no meio da dor e do luto olhasse a vida serenamente e dissesse: “Não creio em nada e por isto estou muito seguro”, pelo contrário, tenho aprendido a respeitar a falta de fé e considerar a dúvida como expressão de fé. Tenho ouvido lindas e espontâneas confissões de onde não esperava, e eventualmente uma dubiedade e fragilidade quanto a fé de gente religiosa e beata. Como bem afirmou Mario Quintana: “Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo”. Sei que isto é um tanto dialético e paradoxal, mas me parece muito sensato.

No nascimento de Cristo, os “magos”, gente espiritualizada e distante das tradições e profecias judaicas, desenvolveram uma sensibilidade quanto ao sagrado, e chegam até Belém para ver o rei que estava nascendo, enquanto os escribas e religiosos de Jerusalém, que ficavam a 12 Km de Belém, não perceberam. Os magos foram mais crentes que os líderes religiosos.

Muitos talvez estejam titubeando entre a fé e a dúvida, mas este ato de duvidar, revela a centelha da fé. Dúvida é uma forma de crença. Muitos se identificam prontamente com o homem hesitante que declarou a Jesus: “Eu Creio Senhor, ajuda-me na minha falta de fé!”. Como afirmou Philip Yancey: “Uma curiosa lei do avesso parece operar nos evangelhos: a fé aparece onde menos se espera e vacila onde deveria florescer”. 

Tempo e Modo

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Já ouviram falar de mindfulness? Trata-se de um novo conceito empresarial na moda, que procura dizer verdades antigas com roupagem moderna. Seminários e palestras tem sido ministrados atualmente para cargos de liderança em grandes empresas que sempre precisam discutir assuntos de interesses variados, com  discussões apaixonadas e fortes debates. 

Mindfulness se refere ao auto conhecimento que a pessoa precisa ter sobre si mesma no ambiente onde se encontra. É a capacidade de saber participar da discussão, levando em conta o nível do debate, as pessoas envolvidas e o clima da reunião. Quando se considera estes elementos, é possível fazer uma análise mais sensata, saber segurar e esperar para falar na hora certa, com uma palavra apropriada.

Trata-se da capacidade de ter o nível de informação adequado sobre o clima da reunião. O que os outros sabem e porque estão falando. Muitas vezes isto exige controle sobre o próprio corpo, para assim dominar a ansiedade e o nervosismo e se adaptar ao ambiente. Numa reunião empresarial existe muito jogo de ego, e dependendo da forma e da hora em que você falar, o outro vai resistir e não aceitará suas sugestões e suporte, antes se tornará antagonista e opositor.

Não é interessante perceber que estas mesmas verdades foram ditas há muito tempo atrás nas Escrituras Sagradas? Veja o que diz este texto de Eclesiastes: “O coração do sábio conhece o tempo e o modo” (Ec 8.5). Não apenas o tempo, a hora certa; mas também o modo, a forma de tratar as coisas e emitir suas opiniões.

Não é muito fácil equilibrar estes dois elementos. Muitas vezes fazemos no tempo certo, do modo errado; outras vezes fazemos do modo certo, no tempo errado. Pense no efeito prático disto para o seu meio profissional e relacionamentos interpessoais. O seu colega está se comportando de forma equivocada, ou fazendo as coisas sem o conhecimento pleno. Você tem percebido isto já faz algum tempo, e tem vontade de dizer, mas teme sua reação, então, na primeira discussão, na hora em que ambos se encontram irritados, você vomita suas ideias e decide falar. Provavelmente no tempo errado e de forma errada. Ele não vai te ouvir porque está zangado (tempo), e porque as verdades vieram da forma errada (modo). Você errou de duas formas. Não considerou nem o tempo, nem o modo.

Leve isto para o campo familiar. Algumas coisas precisam de reajuste. Você acha que seu cônjuge não está fazendo as coisas corretamente, então, espera o momento certo e do jeito correto, procura dizer aquilo que você acha que precisa ser ajustado. Isto pode produzir um efeito bem mais positivo do que quando dito de forma raivosa, num contexto de apaixonada e agressiva discussão.

Por isto vale muito a afirmação: “O coração do sábio conhece o tempo e o modo” (Ec 8.5). Isto tem a ver com mindfulness.