Hesitei em escrever este artigo antes das eleições. As idéias já estavam claras na minha mente mas considerei que poderiam dar idéia de propósitos eleitoreiros. Como não estou defendendo a bandeira de nenhum partido, senti-me livre para fazer uma análise sobre o principal programa do governo Lula, que se tornou em seu grande trunfo eleitoral: O Bolsa-Família.
Qual é o problema de qualquer programa assistencialista?
Já em 1969, Paulo Freire escrevia com grande lucidez sobre este assunto em Educação como prática da Liberdade (Rio, Paz e Terra). Sua abordagem pedagógica é impressionante.
Para Freire, os programas assistencialistas roubam dos pobres o seu maior valor que é a dignidade, privando-os de uma inserção comunitária. Como não são convidados a refletir sobre suas possibilidades, não conseguem “fazer-se críticos e, por isso, (...) se tornam criticamente otimistas” (op. cit. 54)
Com tal compreensão, Freire demonstra que ao deixarem de ser passivas e tornarem-se agentes de sua história, “a desesperança das sociedades alienadas passa a ser substituída por esperança, quando começam a se ver com os próprios olhos e se tornam capazes de projetar (...) na medida em que vão se integrando com o seu tempo e o seu espaço” (id. Pg.54).
Os programas assistencialistas inibem a participação do povo nos processos decisórios, criando uma relação de dependência/dominação. Não sendo capaz de se envolver politicamente através do trabalho construtivo e da discussão de sua própria história, perdem o sentido da esperança. O impotente, que sequer pode trabalhar, está morto. “Quem se julga acabado está morto. Não descobre sequer sua indigência” (Id. pg 53).
O assistencialismo contradiz a vocação natural da pessoa e “faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem possibilidade de participação do processo de sua própria recuperação” (id. Pg. 57). Freire vê nisto uma forma de agressão: “Violência do seu antidiálogo, que, impondo ao homem mutismo e passividade não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a “abertura” de sua consciência (id. Pg.57). Este é o resultado didático do ócio remunerado ou da esmola oficial.
Luiz Gonzaga, antes destas reflexões de Freire, disse com muita propriedade:
“Mas doutor uma esmola,
A um homem que é são,
Ou lhe mata de vergonha,
Ou vicia o cidadão”.
(Vozes da seca, Zé Dantas e Luiz Gonzaga, 1953).
Jesus, ao encontrar um paralítico, disse-lhe: “Levanta-te,toma o teu leito e anda”. Interessante esta forma didática de ensinar. Jesus inspira fé e capacita o ser humano a andar com suas próprias pernas e a não depender de outro para carregar o seu próprio leito. Poderia apenas lhe dizer que estava curado, mas resolve capacitá-lo a romper o círculo de dependência que sempre caracterizara sua vida.
A prática da liberdade envolve este processo de capacitação do ser humano. Ninguém será livre, se a dignidade, o valor próprio e a esperança não lhe for entregue.